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Fugindo da fome que assola seu país, venezuelanos também enfrentam dificuldades aqui na Paraíba. Veja    
Responsáveis por abrigos dos venezuelanos não têm mais controle do quantitativo de pessoas nos locais
27/08/2023 21h00
Por: PATOS ONLINE Fonte: Por Gabriella Loiola, g1 PB
Foto: Associação dos Defensores da Cidadania

Os indígenas venezuelanos da etnia warao, que ocupam um abrigo no Centro de João Pessoa, denunciam uma série de problemas no prédio em que vivem. O prédio está com infiltrações, janelas caídas, sanitários e pias quebradas, e ficou sem energia por 7 dias. Além disso, o local está superlotado, abrigando mais pessoas do que capacidade que havia sido estipulada. A situação se repete em outros abrigos dos indígenas na capital paraibana . Os órgãos responsáveis não têm mais noção de quantos venezuelanos estão nestes locais.

Na segunda-feira (21), a ONG Associação dos Defensores da Cidadania (ADC), publicou um vídeo nas redes sociais, a pedido do Cacique do abrigo do Centro, Ramon Gómez Quinonez, denunciando a situação enfrentada pelos 46 warao que moram no abrigo do Centro.

Segundo Ramon, a princípio era um problema de água no local, que a Cagepa solucionou, mas precisava que a energia fosse desligada. O abrigo ficou sem energia por 7 dias, um lugar com crianças e idosos. O serviço foi retomado na sexta-feira (25).

O líder do abrigo do Centro e intermediador cultural também falou de problemas de falta de segurança ao relatar que na semana anterior, um homem invadiu o local ao fugir da polícia. Além da falta de infraestrutura. "Quando entramos estava organizado, mas agora as janelas de dois quartos caíram", relatou Ramon.

Abrigo de indígenas venezuelanos no Centro de João Pessoa tem problemas em portas e janelas. — Foto: Associação dos Defensores da Cidadania

Tiago Quirino, coordenador da ADC, afirma que a situação dos outros abrigos não é tão crítica quanto no Centro.

“No abrigo do Ernani Sátiro, que fica em uma escola desativada, existem infiltrações. O banheiro está quebrado e o encanamento está todo remendado, ocasionando vazamento em vários momentos.”, relata.

O antropólogo Jamerson Lucena acompanha a situação dos warao desde 2020 e faz parte da ADC. Segundo ele, existem muitos abrigos irregulares e em situação bem precária. “A situação da moradia é preocupante, principalmente desses grupos warao que ainda estão numa situação de extrema vulnerabilidade social, e outras moradias em situação precária”.

A crise econômica e política na Venezuela provocou o deslocamento de indígenas e não indígenas venezuelanos pela fronteira em Roraima, entre eles indígenas do povo warao, que ao entrarem no Brasil e encontrarem a superlotação em Boa Vista, foram para outras regiões em busca de melhores condições de vida.

Em João Pessoa, atualmente, existem 12 casas para abrigar os warao. Uma medida emergencial para o cuidado com essas pessoas.

Locais dos abrigos em João Pessoa

Quem cuida dos abrigos dos warao?

Desde abril de 2020, a Ação Social Arquidiocesana (ASA) desenvolve um trabalho para abrigar pessoas indígenas da etnia warao, com a locação de imóveis, e disponibilizando alimentos e produtos de limpeza.

Em 2022, a ASA renovou um convênio com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano (SEDH-PB). O estado transfere um valor para que a ASA disponibilize as moradias, além da entrega de alimentos e materiais de limpeza. Já a SEDH faz o acompanhamento dos warao e atua na integração.

No último contrato celebrado em junho de 2023, no valor de R$ 1,5 milhão, a ASA se responsabilizou em atender 400 venezuelanos da etnia warao, com três refeições diárias, medicamentos e materiais de limpeza.

Entrega do prédio e materiais de limpeza aos warao no Centro de João pessoa. — Foto: Ação Social Arquidiocesana

O padre Egídio de Carvalho, diretor da ASA, disse ao g1 que a instituição estava ciente da situação da água e de energia elétrica no abrigo do Centro. O problema, segundo ele, ocorreu na rua do abrigo e para que a água fosse normalizada, a Cagepa solicitou o desligamento da energia à Energisa.

Após o desligamento, o serviço foi realizado, mas com as chuvas da última sexta-feira (18), uma árvore caiu e danificou novamente. A Energisa solicitou a ASA que providenciasse um eletricista para resolver o problema e na quarta-feira (24), o religamento foi solicitado.

Sobre a questão estrutural do abrigo do Centro, o Padre afirmou que o local foi alugado em abril de 2022, passou por reformas e foi entregue em perfeito estado aos warao. O problema, segundo ele, é causado pelos próprios warao, que destroem o espaço. “Eles quebram tudo. Arrancam janelas, arrancam portas, quebram pia e sanitários”, relata.

Espaço do abrigo do Centro, em João Pessoa, entregue aos warao em 2022 — Foto: Ação Social Arquidiocesana

De acordo com Egídio, a última casa alugada pela ASA para os povos warao provocou o prejuízo de R$ 25 mil para que o proprietário consertasse o imóvel após os venezuelanos desocuparem o espaço. Além disso, o padre citou um problema com a conta de água, que chegou a R$ 29 mil por torneiras que eram deixadas abertas.

Prédio entregue aos indígenas venezuelanos em 2022 pela ASA, em João Pessoa — Foto: Ação Social Arquidiocesana

Além de acompanhar os warao desde 2020, Jamerson Lucena está em processo de produção do doutorado em antropologia sobre os indígenas venezuelanos. Segundo Lucena, existe uma narrativa muito distorcida, preconceituosa e xenofóbica sobre os warao. "Os warao são indígenas e seu modo de vida é totalmente diferente do nosso. Warao significa 'povo da água'. Eles viviam em comunidades rurais, em casas de palafitas às margens dos rios e córregos. As suas casas, por exemplo, não têm paredes e são constituídas apenas de um vão. Todas de madeira e cobertas de palha", explicou.

O antropólogo destaca que como viviam em região de selva, eles não tinham o costume de colocar o que chamamos de lixo em lugares específicos.

Os costumes domésticos eram outros. Os adultos e crianças tomavam banho nos rios, a divisão da casa era definida pelos seus pertences. Por exemplo, o vão principal da casa servia para realizar práticas artesanais e se alimentar durante o dia, mas ao cair da noite havia uma sobreposição dos espaços e aquele lugar era destinado para estender as redes e dormir.

Com o deslocamento forçado, em busca de melhores condições de vida, ocorre um processo de reorganização social. "É preciso destacar que não depende apenas dos Warao para que ocorra um processo de organização doméstica ao qual estamos acostumados. É necessário um empenho das instituições acolhedoras", desataca Jamerson.

Jamerson relata que os abrigos que visitou na Paraíba e nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia são precários e inadequados. Espaços, muitas vezes, com infiltrações, sem ventilação e com telhados quebrados.

Alguns deles sem armadores de rede e eles reclamam bastante, mas dormem em colchões porque se acostumaram. Muitos improvisam, por exemplo, armando redes em grades. Buscam arranjos domésticos para poder se acomodar num espaço que não são acostumados.

Superlotação

De acordo com nota emitida pela ASA na quinta-feira (24), o abrigo do Centro comporta 14 famílias (63 pessoas) e que atualmente, o local tem 19 famílias (89 pessoas), ou seja 33 warao a mais da capacidade, e que a chegada de novas pessoas não foi comunicada.

"A gente não tem o controle dessa chegada, porque eles chegam e vão para dentro dos abrigos", disse o padre Egídio, ressaltando que a situação se repete nos outros locais.

Todas as terças, a equipe da ASA é responsável por repor os materiais e os alimentos nos abrigos, que depois serão distribuídos pelos caciques para os moradores. A quantidade de mantimentos entregues segue o acordado com a SEDH, mas o número de pessoas nos locais é maior.

A gente leva a feira toda terça-feira e quando é no domingo, começam a ligar pedindo mais comida, porque faltou.

O que diz a Secretaria de Desenvolvimento Humano

Eduardo Brunello, gerente operacional de promoção do acesso à cidadania da Secretaria de Desenvolvimento Humano, afirmou que os abrigos são uma medida temporária, mas que algo a longo prazo está sendo estudado em conjunto com os warao.

Quais são as expectativas que eles têm de moradia, como eles poderiam se adaptar e o próprio mercado local de trabalho absorver esse contingente de demanda.

Nas casas, uma equipe multidisciplinar, contando com alguns dos warao como intermediadores culturias, atuam no processo de integração e escolarização, por causa das barreiras linguísticas. Também existem projetos de inserção local, empregabilidade e renda, como o projeto de artesanato, que valoriza o saber do povo warao.

Sobre a questão da superlotação dos abrigos, Eduardo afirma que a secretaria tente organizar essa chegada de indígenas venezuelanos aos locais, mas não pode impedir o desejo deles de se reagruparem.

Buscamos o controle das chegadas, por meio de acordos de convivência juntos aos indígenas nas respectivas unidades de abrigamento, todavia é legítimo que eles possam ir e vir e busque organizar um processo de reunificação familiar. Neste aspecto, é importante que toda a rede de atendimento intersetorial e o poder público local também se responsabilize e seja coparticipante na criação e fomento de políticas públicas e estratégias de integração local.

Por Gabriella Loiola, g1 PB