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Condomínio denunciou agressão de médico contra mulher 18 dias após o crime, mas delegacia preferiu não investigar
Vídeos que se tornaram público esta semana mostram agressões contra mulher em 2022. Delegada disse que o caso não seguiu pois a vítima não quis, apesar do STF entender que investigação independe da vontade da vítima.
13/09/2023 13h55
Por: PATOS ONLINE Fonte: Fonte: g1 PB
Polícia investiga vídeo que mostra médico agredindo ex-companheira, em João Pessoa — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

O condomínio onde foram registradas as imagens em que o médico João Paulo Casado agride a ex-companheira, em João Pessoa, denunciou o caso à Polícia Civil 18 dias após a filmagem, em abril de 2022. Apesar da denúncia, a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (Deam) resolveu não investigar o caso, alegando que a vítima, à época, não queria representar contra o suspeito. Entendimento do STF, desde 2012, é de que casos devem ser investigados independentemente da vontade da vítima.

As imagens foram divulgadas no domingo (10) pelas redes sociais do site Paraíba Feminina. Além do vídeo de abril de 2022, que mostra a vítima sendo agredida na frente de uma criança, filha do médico, outras imagens, de setembro do ano passado, mostram uma segunda agressão, dentro de um carro. Após a denúncia formal da vítima, em agosto de 2023, o caso agora é investigado pela polícia. Na terça-feira (12) a polícia pediu a prisão preventiva do médico.

Em nota divulgada na segunda-feira (11), a defesa de João Paulo Souto Casado informou que não teve acesso a eventual processo criminal instaurado contra ele, e que, em virtude do sigilo imposto por causa de medidas protetivas, não vai se pronunciar.

A denúncia do condomínio foi assinada no dia 26 de abril e 2022 e recebida pela Polícia Civil no dia 3 de maio de 2022 e é relativa ao primeiro vídeo, de 15 de abril de 2022, gravado no elevador do edifício, onde é possível quando o suspeito puxa o cabelo da mulher e a empurra várias vezes, na frente do filho dele.

O ofício (veja abaixo), encaminhado para a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, relata que o próprio condomínio constatou que se tratava de João Paulo Souto Casado, e que ao seguir a lei da Paraíba que obriga a denúncia de violência doméstica por parte de condomínios, requisita que a polícia tome providências para apurar as agressões, deixando à disposição da delegacia as imagens registradas pelas câmeras de segurança.

Condomínio onde aconteceram as agressões denunciou o médico 18 dias depois das imagens serem registradas, há mais de um ano — Foto: Reprodução

Em entrevista ao Bom Dia Paraíba, nesta quarta-feira (13), a delegada Paula Monalisa, sub-coordenadora das Deams, explica que a Deam Norte, no Centro de João Pessoa, foi até o prédio e intimou a vítima, no ano passado, e que ela “estava bastante emocionada e constrangida com toda a situação".

“Lhe foi oferecido um atendimento psicológico, ela foi ouvida por uma psicóloga e, realmente, estava dentro de um contexto de violência doméstica. Mas ela alegou que foram as primeiras agressões, que amava muito seu marido e que não queria nenhum tipo de reprimenda contra ele, então a delegacia achou por bem não dar prosseguimento ao caso”, disse a delegada.

Meses depois do primeiro vídeo, outro registro de violência contra a vítima aconteceu, em 7 de setembro de 2022. Desta vez, dentro de um carro. A mulher é agredida com socos e empurrões pelo suspeito.

As agressões só se tornaram públicas no domingo (10), mais de um ano depois do primeiro caso. Segundo a delegada Paula Monalisa, somente em agosto de 2023 que a vítima resolveu denunciar formalmente o suspeito, e o caso passou a ser investigado.

Em nota divulgada às 9h desta quarta-feira, o Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público da Paraíba (Ncap/MPPB) informou que vai apurar uma eventual omissão por parte da autoridade policial acerca do possível arquivamento da investigação após a denúncia do condomínio.

"Diante de notícia veiculada na imprensa sobre possível arquivamento de suposto inquérito policial para apurar violência doméstica praticada por um médico em João Pessoa, a coordenadora do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público da Paraíba (Ncap/MPPB), Cláudia Bezerra, promotora de Justiça, informou que o órgão ministerial vai instaurar um procedimento próprio, no qual solicitará informações sobre os fatos noticiados envolvendo as partes. O objetivo é apurar a existência de tal inquérito e, caso tenha havido, os motivos que levaram ao seu arquivamento, verificando eventual omissão por parte da autoridade policial", diz a nota.

Lei Maria da Penha vale mesmo sem queixa da agredida

Apesar da delegada informar que o caso não prosseguiu pois a vítima não queria, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), ao se debruçar sobre um caso de violência doméstica, em 2012, é de que a Lei Maria da Penha vale mesmo que a vítima não queira a investigação.

De acordo com o relator, o então ministro Marco Aurélio Mello, em casos de violência doméstica, é preciso considerar a necessidade de "intervenção estatal" para garantir a proteção da mulher, como previsto na Constituição.

À época, Marco Aurélio destacou que é importante que a representação possa ser feita por terceiros, alegando que em 90% dos casos, a mulher agredida acabava retirando a queixa e renunciando à representação, e que isso contribuía para a reiteração da violência.

No julgamento, a maioria do colegiado acompanhou o argumento de que é fora da realidade deixar a critério da vítima decidir se o processo contra o agressor deve seguir, uma vez que a manifestação da vontade da vítima é cerceada pela própria violência, por medo de represálias e de mais agressão.

Segundo a secretária adjunta da OAB-PB, Larissa Bonates, a partir do momento em que a autoridade policial toma conhecimento de um fato desse tipo, relacionado à violência doméstica, ela precisa tomar todas as condutas para apurar esse possível crime.

“A sociedade precisa continuar fazendo denúncias, as mulheres agredidas também precisam se encorajar para denunciar e a autoridade policial tem o dever legal de levar o inquérito para a frente e, se achar pela materialidade dos fatos, fazer a denúncia ao Ministério Público. É necessário que tanto a autoridade policial ofereça guarida a essa mulher que está sendo agredida e que a sociedade não pode se calar”, disse.

Afastamento dos cargos

João Paulo Souto Casado é médico e atuava como diretor técnico do Complexo Hospitalar de Mangabeira, o Trauminha de João Pessoa. Após a divulgação das imagens nas redes sociais, a secretária interina de Saúde de João Pessoa, Janine Lucena, publicou nas redes sociais uma nota em que pediu o afastamento imediato do cargo. Na tarde de segunda, em publicação no Diário Oficial de João Pessoa, foi oficialmente publicada a exoneração do diretor técnico do Trauminha.

O médico também é Cabo Bombeiro Militar da Paraíba e atuante no Grupo de Resgate Aeromédico do Corpo de Bombeiros (Grame) e no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES-PB) informou que “repudia as agressões e se solidariza com a vítima, afastando, portanto, o servidor de sua função pública”. O secretário de Saúde da Paraíba, Jhony Bezerra, divulgou, no domingo, que afastou o servidor de ambas as funções no Trauma e no Grame.

O Corpo de Bombeiros informou, nesta segunda-feira, que um procedimento apuratório para investigar a conduta do médico, que é militar do CB desde 2005, vai ser aberto.

O Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) informou em nota que determinou a abertura de uma sindicância, considerando os artigos 23 e 25 do Capítulo IV do Código de Ética Médica. Os referidos artigos dizem respeito à "Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto", e "Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem."

A nota diz ainda que o CRM-PB "repudia veementemente qualquer forma de agressão contra a mulher".

Na tarde da segunda-feira (11), o governador João Azevêdo prestou solidariedade à vítima em uma rede social. Na publicação do governador, ele ainda ressaltou que "violência contra a mulher é intolerável" e também "é crime". Ele ainda reforçou que a Polícia Civil está investigando o caso e que o médico vai ser exonerado do Hospital de Trauma e investigado no Corpo de Bombeiros.

Fonte: g1 PB