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Decisão do STF faz do jornalismo uma atividade de risco, diz advogado constitucionalista; ‘Eu não queria estar na pele da imprensa’, diz Marco Aurélio Mello
Associações da imprensa divulgaram uma nota conjunta em que manifestam preocupação com o julgamento do STF
30/11/2023 13h00
Por: PATOS ONLINE Fonte: Imagem arquivos

O julgamento sobre a possibilidade de se punir veículos de comunicação por causa de afirmações feitas por entrevistados teve início em maio de 2020, no STF. Mas, entre idas e vindas, por pedidos de vista (mais tempo para analisar o caso) dos ministros Alexandre de Moraes — que herdou a relatoria do processo depois da aposentadoria de Marco Aurélio Mello —, e Luís Roberto Barroso, o julgamento só foi concluído nesta semana.

Ao votar, Marco Aurélio defendeu que os jornais não podem responder, sem emitir opinião, por declarações dos entrevistados.

“Não se concebe que o Judiciário implemente censura prévia”, escreveu Marco Aurélio na ocasião. “O que deve haver é a responsabilização de algum desvio de conduta cometido pela imprensa, o que não ocorre quando se limita a divulgar entrevista.”

Não há espaço para revisão do julgamento. Os recursos no STF estão esgotados. A decisão poderia ser contestada em uma ação de constitucionalidade, mas o próprio Supremo ficaria encarregado de analisar o processo.

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Uma alternativa poderia ser a via legislativa, com a edição de regras para regulamentar o tema, ou a modulação dos efeitos do julgamento pelo próprio STF, a partir da análise de casos concretos que chegarem ao tribunal.

“Na prática, o que pode acontecer de melhor é o STF perceber que a decisão é inconstitucional e rever o seu entendimento”, observou o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

Reação

Associações da imprensa divulgaram uma nota conjunta em que manifestam preocupação com o julgamento do STF. As entidades temem que a decisão abra caminho para o crescimento do assédio judicial a jornalistas.

“É imperativo que o jornalismo seja exercido com ética e respeito aos princípios fundamentais da profissão, como a verificação dos fatos e a abertura ao contraditório, (...) mas isso não pode ser confundido com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para o jornalismo: as entrevistas”, diz o texto.

As associações avaliam ainda que a tese pode inviabilizar as entrevistas, sobretudo quando forem ao ar em tempo real.

“Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado”, afirmam as entidades.

O texto é assinado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

Decisão do STF faz do jornalismo uma atividade de risco, diz advogado constitucionalista

"O que o STF fez foi praticamente tornar a atividade jornalística uma atividade de risco. Ocorre que o exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é absolutamente contraditório", afirma. "É um entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa." disse o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

"O STF engessa a possibilidade do jornalístico político, o jornalístico investigativo, ter fôlego para que o tempo possa comprovar que a versão divulgada é correta", defende. "A entrevista ao vivo também passa a ser um risco jurídico."

Marsiglia avalia que os parâmetros usados pelo STF são genéricos e podem abrir caminho para o assédio judicial a jornalistas.

"O problema é saber o que são indícios concretos. Uma decisão liminar determinando a remoção de um conteúdo, totalmente reversível, pode ser entendida como um indício concreto. Mas pode também ser uma agência de checagem, um fato consensual, esse é o perigo", alerta.

O advogado explica que a tese fixada pelo Supremo foi uma adaptação, para os veículos da imprensa, das exigências previstas no PL das Fake News para as plataformas digitais.

"O que está sendo estabelecido agora para a imprensa é mais ou menos o que se pleitou para as big techs. Da mesma forma que as plataformas são responsáveis pelo conteúdos publicado pelos usuários, a imprensa se torna responsável pelo conteúdo do seu entrevistado", lembra. "Mas a imprensa cria e pauta o debate público. Podá-la da mesma forma que se pretende poder um usuário de rede social é absolutamente inconstitucional. "

Não há, no entanto, espaço para revisão do julgamento. Os recursos no STF estão esgotados. A decisão poderia ser contestada em uma ação de constitucionalidade, mas o próprio Supremo Tribunal Federal ficaria encarregado de analisar o processo. Uma alternativa poderia ser a via legislativa, com a edição de legislação para regulamentar o tema, ou a modulação dos efeitos do julgamento pelo próprio STF, a partir da análise de casos concretos que chegarem ao tribunal.

"Na prática, o que pode acontecer de melhor é o STF perceber que a decisão é inconstitucional e rever o seu entendimento", avalia Marsiglia.

Patosonline.com

Com informações do Estado de São Paulo, Estadão e Terrabrasil

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