Se você tem assistido aos programas jornalísticos tanto pelas emissoras de rádio e televisão quanto pelo YouTube, deve ter observado que muitos comentaristas se pelam de medo de citar o nome de gente poderosa, para criticar, lógico. Em alguns casos, até para elogiar. Temem que, ao pronunciar o nome desses intocáveis, os mecanismos de busca dessas mídias façam a captação e apliquem penalidades.
Por isso, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, entre outros, são chamados simplesmente de “ministro”. Assim como substâncias ilegais ou não têm o nome mencionado ou adquiriram denominações próprias. Por exemplo, maconha é chamada de orégano e cocaína de farinha. Arma ganhou o apelido de ferramenta. E por aí vai. É uma autocensura para se defender previamente da censura.
Lembra um pouco a época do autoritarismo militar. Se alguém dissesse o que os censores julgavam inconveniente, os trechos eram recortados. Hoje, qualquer deslize é motivo de caça às bruxas. Os autores do “crime” são presos, caçados, desmonetizados. Em alguns casos, alegam, até sem saber a causa.
Esse receio, entretanto, não é novidade dos dias atuais. Os mais velhos presenciaram e os mais jovens leram a respeito. Quando o então assessor da Casa Civil em 2004, Waldomiro Diniz foi acusado de cobrar propina, apanhado por uma gravação no aeroporto pedindo dinheiro ao empresário do ramo de jogos eletrônicos, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, explodiu um escândalo sem precedentes no governo.
Ninguém tocava no nome
Todo mundo falava de Diniz e Cachoeira, mas ninguém tinha coragem de citar o nome de José Dirceu. Como era possível? Afinal, estavam se referindo ao seu assessor direto! Demorou um tempão para que o nome do ministro da Casa Civil aparecesse na mídia. Ainda assim, no início, com ressalvas, como se estivessem entrando em um terreno minado.
Não deveria ser dessa maneira. Se uma pessoa faz algum tipo de acusação a quem quer que seja e não consegue provar o que disse, deve sofrer as consequências do crime cometido. Há leis para penalizar esses delitos. Agora, deixar de mencionar o nome, apenas pelo receio de ser perseguido de um jeito ou de outro, não é próprio de uma democracia.
Censura do bem
Fiquei estarrecido quando uma das pessoas que participava de um almoço informal entre amigos perguntou se a conversa estava sendo gravada. Disse que chega a evitar alguns temas políticos até dentro da própria casa. Um dos participantes retrucou afirmando que ninguém estava mentindo ou acusando alguém de forma leviana.
Ele fez uma careta, abriu os braços e sussurrou: nunca se sabe. Depois que abrem um processo, até a entonação da voz e as pausas são analisadas para determinar a intenção. Para evitar confusão, mudamos de assunto.
De vez em quando entra no debate o PL 2630, conhecido como PL das Fake News. Por mais que insiram exceções, ressalvas e exclusões será, no fim das contas, um projeto para tirar ainda mais a liberdade de as pessoas se expressarem. Como sempre, quem defende essas restrições afirma que é para o bem da população. Desde quando censura, branda ou não, pode ser chamada de censura do bem?!
As 10 medidas anticorrupção
O fato curioso é que os defensores desse projeto são em sua maioria respaldados por autoridades que não gostam de ver seu nome criticado de nenhuma maneira. O que não levam em conta, todavia, é que nada na vida permanece imutável. A ideologia que hoje está no poder amanhã poderá ser oposição, e vice-versa.
Quando Sergio Moro e Deltan Dallagnol defenderam que as “10 medidas contra a corrupção” se transformassem em lei, encontraram resistência ferrenha por parte daqueles que não gostariam de ser pressionados por elas. Em contrapartida foi aprovada a Lei de Abuso de Autoridade.
A oposição comemorou
A oposição a Bolsonaro ficou feliz na época. Afinal, foram dois golpes. Um, esvaziando quase que totalmente as medidas anticorrupção. O outro, enfraquecendo quem está no poder com a Lei de Abuso de Autoridade. Não consideraram que aquele governo poderia passar, como passou, e logo quem soltava fogos comemorativos ocuparia o poder, e teria sua liberdade de ação tolhida por essa mesma lei.
Por isso, quem está tão entusiasmado em retirar a liberdade daqueles que hoje são oposição que tenha muita cautela. O mundo dá voltas inesperadas e surpreendentes, e, amanhã, os lados poderão ser trocados. E quem fala à vontade hoje pode ser calado no futuro.
De um jeito ou de outro, o que não pode acontecer em uma democracia é a falta de liberdade de expressão. Esse deve ser um direito inegociável.
Por Reinaldo Polito
Diário de São Paulo