Executivos da Âmbar Energia, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, foram recebidos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia fora da agenda oficial antes da edição da medida provisória que beneficiou um negócio da companhia na área de energia elétrica e repassou o custo para todos os consumidores brasileiros. O ministério e a Âmbar afirmam que não trataram da medida provisória nas conversas, mas não informam o conteúdo dos encontros.
As reuniões ocorreram entre junho de 2023 e maio deste ano. Os executivos da Âmbar tiveram encontros reservados com o ministro Alexandre Silveira, o secretário-executivo Arthur Cerqueira, o secretário nacional de Energia Elétrica, Gentil Nogueira, e o ex-secretário-executivo da pasta, Efrain Cruz, conforme registros de entradas no ministério enviados em resposta a um pedido via Lei de Acesso à Informação formulado pelo partido Novo.
A última reunião foi entre o ministro Silveira e o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, no dia 29 de maio, uma semana antes do texto da medida provisória sair do ministério e ir para a Casa Civil. O chefe da pasta também recebeu o executivo no dia 21 de maio. Nenhum desses encontros aparece na agenda oficial e pública de Alexandre Silveira.
Os registros mostram que Marcelo Zanatta, o presidente da Âmbar, se tornou uma presença frequente no Ministério de Minas e Energia, tendo estado 13 vezes no local em menos de um ano. Nas outras ocasiões, a companhia foi representada pelo diretor de Estratégia, Inteligência de Mercado e Regulatório, Cristiano Souza.
“É inaceitável que uma medida provisória seja editada para beneficiar diretamente os amigos do rei, em detrimento do consumidor brasileiro”, afirmou a deputada Adriana Ventura (SP), representante do Novo na Câmara. “As evidências de repetidas reuniões entre representantes da Âmbar Energia e o Ministério de Minas e Energia, e a celeridade incomum na aprovação dessa medida, levantam sérias questões sobre a transparência e a lisura deste processo.”
A medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada no dia 13 de junho socorre o caixa da Amazonas Energia e cobre pagamentos que a distribuidora deve fazer para termelétricas compradas pela Âmbar da Eletrobras. Os recursos necessários para a operação serão bancados pela conta de luz de todos os consumidores brasileiros por até 15 anos.
Ministério de Minas e Energia recebeu executivos da Âmbar Energia 17 vezes antes de edição de medida provisória que beneficiou a empresa dos irmãos Batista
Joesley e Wesley Batista estiveram pessoalmente no Palácio do Planalto com o presidente Lula em um encontro de produtores de carne para tratar de uma doação para vítimas do Rio Grande do Sul, no dia 27 de maio.
Após a publicação da MP, Alexandre Silveira afirmou que o fato da medida ter beneficiado o negócio dos irmãos Batista foi uma “mera coincidência”. “Eu aprendi com o ex-vice-presidente José Alencar que não importa a cor do gato, o que importa é que ele cace o rato”, disse Silveira, durante uma audiência na Câmara ao ser questionado sobre a medida.
Na última agenda, Zanatta acessou o ministério pela entrada privativa do órgão, a mesma por onde o ministro entra, às 15h48 do dia 29 de maio, para uma reunião com Alexandre Silveira. Neste dia, apenas dois compromissos aparecem na agenda pública do chefe da pasta: uma com o diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais da Câmara Americana de Comércio para o Brasil, Fabrizio Panzini, e outra, com a embaixadora do Brasil nos Estados Unidos, Maria Luiza Ribeiro Viotti.
No dia 7 de junho, nove dias após a reunião, o texto da medida provisória saiu do ministério e foi para a Casa Civil. No dia 10, a Eletrobras comunicou ao mercado a venda de 12 usinas termelétricas para a Âmbar por R$ 4,7 bilhões. A Âmbar assumiu o risco de inadimplência dos contratos da Eletrobras com a Amazonas Energia envolvendo a operação das térmicas. No dia 13, 72 horas após o negócio, o Diário Oficial da União trouxe a publicação de uma medida provisória de socorro ao caixa da Amazonas Energia, assinada na véspera pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na prática, a medida provisória socorreu o negócio da Âmbar e garantiu a cobertura do prejuízo, surpreendendo especialistas e agentes do setor elétrico. Agora, com essa garantia, a empresa dos irmãos Batista poderá comprar a Amazonas Energia com as compensações dadas pela decisão do governo, uma vantagem que só a Âmbar terá. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi acionada para investigar a negociação. As agendas mostram que o ministro também se reuniu três vezes com representantes da Amazonas Energia entre março e abril.
Em resposta a outro pedido de informação, que solicitou a ata das reuniões, o ministério detalhou apenas cinco agendas com representantes da Âmbar e do Grupo J&F, entre junho de 2023 e fevereiro deste ano, para tratar da exportação de energia para a Argentina e da importação de energia da Venezuela, países em que os irmãos Batista expediram o negócio. A pasta omitiu as demais reuniões, incluindo as do ministro com o presidente da empresa. Os deputados do partido Novo na Câmara vão protocolar um requerimento de informações ao ministério questionando a pauta de todas as reuniões e quem teve acesso ao conteúdo da medida provisória antes da publicação.
O Ministério de Minas e Energia afirmou ao Estadão que a medida provisória não foi discutida com a Âmbar ou com qualquer outra empresa do setor, mas não informou o teor das reuniões. A pasta sequer confirmou a realização dos encontros. “É importante esclarecer ainda que o registro da entrada de pessoas nas dependências deste ministério não significa, necessariamente, que todas foram, de fato, recebidas pelas autoridades públicas, seja por falta de um agendamento prévio, seja por conflito de agendas.”
A pasta voltou a dizer que era de conhecimento público que o governo adotaria uma solução para a Amazonas Energia. Um grupo de trabalho composto pelo ministério e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) concluiu, em fevereiro deste ano, pela insustentabilidade da concessão no Amazonas e apontou para a necessidade de mudanças legislativas. “Esse documento já sinalizava a necessidade das medidas implementadas pela MP para qualquer cenário (caducidade, intervenção ou troca de controle)”, disse o ministério.
A Âmbar declarou que, ao fechar a compra das usinas da Eletrobras, “realizou um negócio privado, com uma empresa privada, após um acirrado processo competitivo que envolveu propostas vinculantes de diversos grupos econômicos, dada a atratividade dos ativos ofertados.” A empresa também não revelou o motivo das reuniões e o que foi conversado com as autoridades do governo.
A companhia afirmou que a necessidade de uma solução para a Amazonas Energia era de conhecimento público quando a Âmbar fez sua oferta final pelos ativos, ou seja, pelas usinas termoelétricas. “São descabidas especulações a respeito da Medida Provisória 1.232 e o negócio realizado pela Âmbar. Não fazem sentido técnico e econômico, por diversos fatores. A Âmbar nunca tratou do tema com o Ministério de Minas e Energia.”
Fonte - O Estadão