Gerais ANSIEDADE
Ansiedade na infância e adolescência: atendimento dispara 465% em 8 anos; veja sinais e cuidados
Procedimentos em pacientes de até 17 anos foram de 2.607 em 2015 para 14.748 no ano passado, segundo Secretaria do Estado de Saúde; ocorrências de depressão também subiram
23/12/2024 06h00 Atualizada há 31 minutos
Por: Marcos Oliveira Fonte: O Estadão
Imagem ilustrativa divulgada pelo O Estadão

O total de procedimentos clínicos e internações relacionados à ansiedade em pacientes de até 17 anos mais do que quintuplicou em oito anos no Estado de São Paulo. O número de registros passou de 2.607, em 2015, para 14.748 no ano passado, uma alta de 465%. Até setembro, último dado disponível sobre 2024, já haviam sido contabilizados 13.927 casos pela Secretaria de Estado da Saúde. Já as ocorrências ligadas a procedimentos clínicos e internações por depressão nessa faixa etária aumentaram 151%: de 1.951 para 4.903 no mesmo período.

No somatório entre 2015 e 2024, foram realizados 65.789 procedimentos clínicos ambulatoriais e registradas 992 internações por ansiedade em menores de 17 anos. A depressão foi responsável, no mesmo período, por 32.257 procedimentos clínicos e 4.756 internações.

“Esses números são assustadores, mas não surpreendem. Quem vive com criança nota isso com muita facilidade”, afirma Fausto Flor Carvalho, presidente do Departamento de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria de São Paulo. “Estamos em um mundo adoecido em que, muitas vezes, pais ou mães estão ansiosos ou depressivos. Com isso, há uma certa mudança de comportamento das crianças justamente por estarem em um ambiente adoecido.”

Uma pesquisa britânica mostrou que, especialmente quando a ansiedade e a depressão coexistem na infância e na adolescência, os efeitos podem se estender e até se agravar na vida adulta, aumentando também a ocorrência de obesidade e problemas para dormir. Publicado no Journal of Child Psychology and Psychiatry em 2023, o estudo de corte – quando os cientistas acompanham as pessoas por um longo período – analisou 8.122 crianças e adolescentes desde seus 8, 10 ou 13 anos até os 24 anos.

De acordo com o psiquiatra Fernando Asbahr, pessoas ansiosas na infância têm maior probabilidade de desenvolver problemas psiquiátricos na adolescência. “Isso torna essencial tratar precocemente, pois você pode prevenir ou reduzir a chance de prejuízos futuros relacionados a outros fatores”, explica Asbahr, que é coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

“Entre os fatores que contribuem para o desenvolvimento da ansiedade, a influência do ambiente externo é significativa”

Psiquiatra e coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência

“Uma pessoa ansiosa tende a ser menos eficiente em tomar decisões ou evitar o nervosismo. Ainda que exista um componente biológico, não conseguimos mensurá-lo com exatidão. De fato, entre os fatores que contribuem para o desenvolvimento da ansiedade, a influência do ambiente externo é significativa”, afirma o psiquiatra. “Quando tratamos, trabalhamos para reduzir a superestimulação em determinadas partes do cérebro, como a amígdala.”

A ciência ainda não sabe as consequências dessa hiperatividade cerebral, segundo Asbahr. “Não é possível afirmar com certeza que há um dano ou uma alteração específica, mas há algo que se traduz nos sintomas que surgem”, afirma o psiquiatra. “Intervenção, no entanto, não significa necessariamente medicar. Muitas vezes, trata-se de orientar os pais sobre como agir quando a criança está em crise. Isso é essencial, pois ajuda a entender a natureza do problema. Por exemplo, para mostrar que não se trata de ‘frescura’ ou ‘manipulação’ da criança ou do adolescente.”

Há cerca de dois anos, Laura e Letícia Freitas, hoje com 18 anos, começaram a perceber sintomas de ansiedade. Mesmo felizes, ativas e sociáveis na maior parte do tempo, as gêmeas não escaparam da porcentagem de 10% a 20% dos jovens brasileiros de 10 a 19 anos que enfrentam problemas de saúde mental, de acordo com os dados de 2024 da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

O acúmulo de tarefas na rotina ou a simples possibilidade de estar diante de algo novo é capaz de desencadear gatilhos de medo e desespero. Quando isso acontece, elas contam que não conseguem dormir. “Às vezes, parece que nem a respiração está funcionando direito, pesa no peito”, conta Letícia. “Fico com medo de a sensação aparecer”, complementa Laura.

Na capital paulista, existem diversos serviços gratuitos voltados ao tratamento de ansiedade em crianças e adolescentes. O primeiro passo é procurar uma Unidade Básica de Saúde (leia mais no box abaixo), onde uma equipe capacitada poderá avaliar o caso e indicar o tratamento mais adequado.

A secretaria estadual informa que também conta com o Programa Saúde na Escola, que funciona por adesão municipal. “Ele é destinado tanto a escolas municipais quanto estaduais e visa contribuir para a formação de jovens cidadãos”, explica Roberta Ricardes, da área técnica de Saúde da Criança da pasta. “Também aborda questões importantes como violência e saúde mental."

Instituições de ensino como a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Universidade de São Paulo (USP) também oferecem atendimento psicológico a baixo custo ou gratuito por meio de seus serviços-escola. Interessados devem entrar em contato diretamente com as faculdades de Psicologia dessas universidades para agendar a triagem.

No estudo britânico, o efeito que atingiu mais participantes (37%) na vida adulta foi a dificuldade em dormir bem. Boas noites de sono são essenciais para lidar com ansiedade e depressão e evitar doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como obesidade, hipertensão e diabetes tipo 2, alertam especialistas no assunto.

A neurologista infantil Rosana Cardoso, da Associação Brasileira de Sono, conta que o desenvolvimento de depressão e ansiedade em adultos com insônia é comum atualmente. “E a gente começa a ver isso um pouco mais nas crianças. Ela dorme mal, e no outro dia já está mais agitada. Fica sem paciência, mais impulsiva. Esses sintomas acabam envolvendo a saúde mental da criança também”, completa Rosana.

Essa relação direta entre sono e saúde mental é testemunhada por Aline Melo, mãe de Luís Guilherme, de 16 anos. Ele tem dificuldade para dormir desde a infância. Aos 10, foi diagnosticado com ansiedade e depressão. “As crises estão muito relacionadas com a dificuldade de conseguir dormir. Se ele está mal por alguma coisa, um dos primeiros impactos é na qualidade do sono. Muitas vezes, ele acaba trocando o dia pela noite, e eu percebo que isso atrapalha em tudo”, conta Aline.

“As crianças que dormem menos do que o esperado têm mais chances de ganhar peso e, com isso, aumentam as chances de diabetes tipo 2”

Gustavo Moreira

Pediatra e diretor clínico do Instituto do Sono

A batalha de Aline para limitar o tempo de uso do celular por Luís, especialmente à noite, é um reflexo de muitas famílias “É uma briga que tenho perdido várias vezes”, admite. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que crianças de até 2 anos não tenham aparelhos eletrônicos, entre 2 e 5 anos, que usem com tempo limitado, de 6 a 10, por até duas horas diárias, já os adolescentes de 11 até 18 anos não devem passar o limite de três horas.

Além de contribuírem para a saúde mental e o aprendizado infantil, as horas de sono consolidam a memória e proporcionam as alterações hormonais que o corpo humano precisa. É somente quando dormimos que o cérebro organiza todas as informações do dia, explica o pediatra Gustavo Moreira, diretor clínico do Instituto do Sono. “A primeira coisa que aparece é que a criança não tem um bom aproveitamento escolar. Ela pode ter alteração de comportamento e ficar mais hiperativa.”

Segundo ele, um adulto pode dormir oito horas ou menos. “Já se uma criança de 4 anos não dorme dez horas, aquilo é insuficiente. As crianças que dormem menos do que o esperado têm mais chances de ganhar peso e, com isso, aumentam as chances de diabetes tipo 2”, explica Moreira.

Fonte -  O Estadão 

Por Gabriel Damasceno, Larissa Crippa e Leonardo Siqueira