Desde que "O Auto da Compadecida" se tornou um grande sucesso no cinema em 2000, após ser bem sucedido na TV em formato de minissérie, as especulações sobre uma possível sequência eram frequentes.
Vinte e cinco anos depois das gravações do original, o boato finalmente se tornou realidade. "O Auto da Compadecida 2" chega aos cinemas nesta quarta-feira (25), dia de Natal, para matar as saudades do público por João Grilo, Chicó e o universo criado por Ariano Suassuna.
O filme não deve decepcionar os espectadores mais exigentes, já que mantém o mesmo espírito divertido do longa original, conta com boas piadas e um ótimo elenco. No entanto, a continuação não consegue chegar ao nível do primeiro por apostar demais no que já foi feito antes, sem muita inventividade.
Na nova trama, João Grilo (Matheus Nachtergaele) volta a cidade de Taperoá, décadas após ser dado como desaparecido. Ele reencontra seu companheiro Chicó (Selton Mello), que se tornou um poeta e vive de recontar a história do amigo.
João logo percebe que se tornou uma celebridade local, que voltou dos mortos, e não terá paz na cidade. Para piorar, ele se vê no meio de uma disputa entre o Coronel Ernani (Humberto Martins) e Arlindo (Eduardo Sterblitch), que desejam que ele seja seu cabo eleitoral nas eleições municipais.
E claro, Grilo e Chicó elaboram suas "artimanhas" para se salvar dos problemas - com direito ao retorno da Compadecida, desta vez interpretada por Taís Araújo.
"O Auto da Compadecida 2" triunfa ao tornar a sequência uma grande diversão para fãs do original e até para quem não tem grande apreço pela obra e personagens de Suassuna. A direção de Flávia Lacerda e Guel Arraes (que também dirigiu o primeiro filme) é bastante firme e deixa seus atores, tanto os antigos quanto os novos, brilharem em seus papeis.
A dupla de diretores também é bastante feliz em mostrar momentos cômicos, em contraste com as dificuldades que os personagens sofrem. Sempre há um tom mais leve, que não incomoda quem vai ver o filme em busca de um bom entretenimento.
Outro acerto do filme é o uso de animações para ilustrar os "causos" que Chicó conta durante o longa, que se integram bem com as falas do personagem e potencializam o humor destas cenas. O resultado fica bastante divertido é quase impossível não rir do que aparece na telona.
Apesar dessas qualidades, "O Auto da Compadecida 2" não é tão inventivo e, por isso, perde a chance de manter o nível sensacional do anterior. Nesta sequência, os realizadores apostaram no que funcionou anteriormente, sem maiores cerimônias.
O roteiro, assinado por Arraes, Jorge Furtado, João Falcão e Adriana Falcão, praticamente repete situações vistas na produção de 2000, especialmente em seu terço final. Quem tem o primeiro "Auto da Compadecida" ainda vivo em sua memória não terá dificuldades em notar a incrível semelhança (que não é coincidência) entre os dois filmes.
Fica evidente a dificuldade da dupla de roteiristas em criar algo realmente novo, que respeitasse o legado de Suassuna e, ao mesmo tempo, pudesse proporcionar um maior frescor à sequência. Assim, a sensação de "eu já vi esse filme antes" é inevitável.
Embora se saia bem em alguns momentos, a direção também peca em não dar ao filme um tom mais cinematográfico. A impressão é de que a falta de ousadia também passou por esse setor da produção.
Mesmo com todos esses problemas, é inegável de que a grande força de "O Auto da Compadecida 2" está em seu elenco, em especial a dupla de protagonistas. A sintonia entre Matheus Nachtergaele e Selton Mello é tão grande que parece que eles viveram João Grilo e Chicó apenas meses antes de voltarem a seus papéis - e não mais de duas décadas atrás.
Nachtergaele mantém a energia e a malandragem de seu personagem de forma irresistível. Sempre que João Grilo está em cena, o filme cresce consideravelmente. É uma delícia ver o ator desenvolvendo as confusões que o protagonista se envolve, com esperteza e muito bom humor.
Por isso, é uma pena de que, na parte final, o roteiro não colabore com sua atuação por fazê-lo passar por situações que ele já viveu no primeiro filme.
Selton Mello, por sua vez, está ainda mais divertido como contador de histórias e o medroso da dupla, o que resulta em cenas verdadeiramente hilárias. Mello vive um ano excelente como ator graças ao seu Chicó e seu papel pequeno, porém marcante, no sucesso "Ainda estou aqui". Graças ao somatório dos dois atores, o resultado é mais do que positivo em "Auto 2".
O brilho também está nos coadjuvantes. É o caso de Eduardo Sterblitch, que constrói muito bem o papel de Arlindo, comerciante cheio de segundas intenções. Dono de uma loja de eletrodomésticos e da rádio da cidade, o ator convence na pele de um oportunista, que quer sempre se dar bem em cima dos outros.
Luiz Miranda também é responsável por muitas risadas. Ele interpreta Antônio do Amor, um vigarista que vem do Rio de Janeiro para ajudar João Grilo em seus golpes. Nas cenas em que finge ser um homem religioso, ele é hilário - e ajuda a apagar a má impressão que deixou em "Grande Sertão".
Humberto Martins também se sai bem como o Coronel Ernani, apesar de repetir alguns trejeitos de personagens rústicos que interpretou ao longo de sua carreira. Já a ótima Fabíula Nascimento, como Clarabela, filha de Ernani, é prejudicada pelo pouco desenvolvimento de sua história no roteiro.
Virgínia Cavendish, que volta a interpretar Rosinha, diverte como uma das pontas do triângulo amoroso formado por ela, Chicó e Clarabela. Mas acaba sem muito o que fazer na trama e não traz grandes novidades para sua personagem. Mesmo assim, é bom vê-la novamente ao lado de Selton Mello na relação cheia de idas e vindas dos dois.
E quanto a Taís Araújo como a Compadecida? A atriz tinha a difícil tarefa de substituir ninguém menos que Fernanda Montenegro, em um dos papéis mais marcantes do "Auto". Felizmente, Taís se sai muito bem. Ela usa seu carisma para dar um tom doce para a personagem, sem deixá-la melosa demais.
Para quem estranha a troca de atrizes no papel, o filme até dá uma boa explicação para isso, que não soa gratuita nem ofensiva para quem foi fã da participação de Montenegro.
Além disso, o filme conta com uma ótima trilha sonora, incluindo vozes como Maria Bethânia, João Gomes e Chico César.
No fim das contas, "O Auto da Compadecida 2" mata as saudades de quem queria muito rever João Grilo, Chicó e companhia. Mas que dava para a sequência ter mais capricho, até pelo longo tempo que teve para ser concebida, isso dava. O jeito é torcer (ou quem sabe pedir para Nossa Senhora) que, se rolar uma terceira parte, essa tenha mais novidades.
Texto: Resenha crítica/g1