Nestes dias, o Brasil se despede, comovido, de Preta Gil. A cantora, de 50 anos, faleceu em decorrência de um câncer colorretal — doença que, silenciosamente, tem avançado sobre faixas etárias cada vez mais novas. A morte precoce de uma artista tão vibrante escancarou uma realidade: o terceiro tipo de câncer mais comum no país está deixando de ser uma condição associada apenas à velhice. Diante desse cenário, especialistas da Rede Ebserh explicam o que é o câncer colorretal, por que ele está se tornando mais frequente entre os jovens e o que pode ser feito para preveni-lo ou diagnosticá-lo a tempo.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a mortalidade prematura por câncer de intestino (antes dos 70 anos), deve aumentar até 2030, tanto entre homens quanto entre mulheres. A projeção se relaciona não apenas ao envelhecimento populacional, mas também ao crescimento da incidência entre jovens, ao diagnóstico tardio e à baixa cobertura dos exames de rastreamento. Já um estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) revelou que, entre 2012 e 2021, o número de internações por câncer colorretal cresceu 80,3% entre beneficiários de planos de saúde, indicando que o avanço da doença ocorre de forma generalizada, alcançando diferentes perfis populacionais.
Segundo o coloproctologista David Morano, do Hospital Universitário Alcides Carneiro, da Universidade Federal de Campina Grande (HUAC-UFCG), o câncer colorretal é um tumor que acomete o cólon e o reto, partes que compõem o intestino grosso. “Na maioria dos casos, ele se desenvolve a partir de pequenas lesões chamadas pólipos, que surgem na mucosa intestinal por volta dos 45 anos e podem levar até uma década para se transformar em câncer”, explica. Como essas estruturas crescem de forma lenta e silenciosa, os sintomas só costumam aparecer quando o tumor já está mais avançado.
“A prevenção ocorre quando encontramos os pólipos e os removemos antes que virem câncer. Já o diagnóstico precoce acontece quando o tumor já existe, mas ainda está em fase inicial — e, nesse estágio, as chances de cura ultrapassam os 90%”, afirma Morano. Para isso, ele reforça dois caminhos: o da prevenção primária, com foco em hábitos saudáveis, e o da prevenção secundária, com exames regulares como a colonoscopia a partir dos 45 anos.
Para a coloproctologista Angélica Kneipp, do Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap-UFF), os principais sinais de alerta para o câncer colorretal incluem sangue nas fezes, alteração persistente no ritmo ou no formato das evacuações, dor abdominal contínua e perda de peso sem explicação. “Esses sintomas merecem investigação médica imediata”, afirma. No entanto, ela observa que em pacientes mais jovens esses sinais muitas vezes são subestimados, o que atrasa o diagnóstico e o início do tratamento.
Além disso, Angélica chama atenção para a resistência que muitos pacientes ainda têm em relação à colonoscopia. “Por ser um exame invasivo, com preparo intestinal e sedação, muitos têm medo de realizá-lo. Isso pode, inclusive, levar à omissão de sintomas. Cabe a nós, profissionais da saúde, desmistificar o exame, esclarecer seus benefícios e apresentar também outras formas de rastreio, como o exame proctológico e a pesquisa de sangue oculto nas fezes”, ressalta.
Para a oncologista clínica Jéssica Vasconcellos, do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), o aumento de casos entre jovens está mudando o perfil da oncologia no país. “Esses pacientes frequentemente chegam com a doença em estágios mais avançados, em parte porque não estão incluídos nas faixas etárias dos programas de rastreamento”, explica. Esse cenário motivou a recomendação atual de início da colonoscopia a partir dos 45 anos em pessoas de risco usual.
“Nos hospitais universitários, estamos formando profissionais atentos aos sinais precoces, mesmo em pacientes jovens, e com capacidade para decisões rápidas, com suporte multidisciplinar. Isso faz diferença nos desfechos”, afirma. Ela também chama atenção para os fatores de risco: alimentação pobre em fibras, alto consumo de ultraprocessados, sedentarismo, tabagismo, etilismo, doenças inflamatórias intestinais e predisposição genética. “A mudança no estilo de vida das últimas décadas parece ter um papel relevante nesse crescimento”, completa.
De acordo com a médica Lilian Almeida, responsável técnica por colonoscopia no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), o exame não apenas detecta o câncer, como pode impedir que ele surja. “A maioria dos casos de câncer colorretal se desenvolve a partir de pólipos, que podem ser removidos durante a colonoscopia. Ou seja, é um exame terapêutico e não apenas diagnóstico”, reforça.
Ela confirma que o desconforto com o preparo intestinal e o constrangimento com o exame ainda afastam muitos pacientes. “É preciso acolher e explicar. O exame é feito com sedação e monitoramento contínuo. A conversa franca, a escuta ativa e o esclarecimento das etapas do procedimento aumentam muito a adesão”, afirma Lilian. Mesmo na ausência de sintomas, ela reforça que o rastreamento pode ser decisivo para evitar tratamentos agressivos e salvar vidas.
Para a coloproctologista Rosilma Barreto, do Hospital Universitário da UFMA (HU-UFMA), um diagnóstico precoce dentro de um hospital universitário da Rede Ebserh representa uma oportunidade de cuidado integral. “O paciente recebe todo o suporte necessário: profissionais qualificados, exames de estadiamento, definição terapêutica e, quando necessário, encaminhamento para centros oncológicos parceiros para radioterapia ou quimioterapia”, relata.
Ela reforça a importância do amparo. “O câncer abala não só o paciente, mas toda a família. O médico precisa comunicar com clareza, oferecer segurança e se colocar ao lado da pessoa. Um bom acolhimento faz diferença na confiança e adesão ao tratamento”. Rosilma destaca ainda que, embora o suporte psicológico formal nem sempre esteja disponível, uma escuta atenta e uma postura empática já representam um cuidado essencial.
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Reportagem de Felipe Monteiro, com edição de Danielle Campos.