Policial Inocentado
Condenado como executor de crime da 113 Sul é inocentado e solto após 15 anos na Papuda; conheça os detalhes do caso
Decisão foi unânime – os cinco ministros da Sexta Turma do STJ entenderam que Francisco Mairlon teve uma condenação injusta. Agora, ele é um homem livre – nem réu, nem condenado.
15/10/2025 11h55 Atualizada há 2 horas
Por: Felipe Vilar Fonte: g1 DF
Foto: Globoplay/Reprodução

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a condenação, extinguiu o processo e mandou soltar nesta terça-feira (14) um homem que está preso há quase 15 anos.

Francisco Mairlon Barros Aguiar foi condenado como um dos executores do Crime da 113 Sul, o triplo homicídio que chocou Brasília em 2009 e ganhou série documental no Globoplay.

Mairlon foi solto à 0h20 desta quarta (15). Ele deixou o Complexo Penitenciário da Papuda abraçando a família e escoltado pelos advogados.

Na primeira declaração após deixar o presídio, em entrevista à TV Globo, Mairlon disse estar muito grato à família, aos advogados e aos ministros do STJ que definiram a soltura de forma unânime.

"O dia mais feliz da minha vida está sendo hoje. Muita gratidão a todas as pessoas que não desistiram de mim, a ONG Innocence que insistiu, ainda. Família, amigos, não sei nem o que falar."

"É um momento de êxtase que ninguém pode imaginar. Fora os obstáculos, as adversidades que eu tive que passar aqui dentro, ser bastante resiliente com as coisas que aconteceram."

Por unanimidade, os cinco ministros da Sexta Turma do STJ entenderam que Francisco Mairlon teve uma condenação injusta.

A sentença foi baseada somente em depoimentos frágeis, prestados na delegacia e nunca repetidos na frente de um juiz.

Os ministros mandaram soltar Mairlon imediatamente e, agora, ele está livre de qualquer acusação.

A prisão em 2010

Mairlon tinha 22 anos e morava no Pedregal, município de Novo Gama (GO), quando foi preso pela Polícia Civil de Brasília em novembro de 2010.

O crime tinha ocorrido um ano e três meses antes, em 28 de agosto de 2009. Foram mortos, no apartamento da família:

  1. o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela;
  2. a esposa dele, Maria Villela;
  3. a empregada do casal, Francisca Nascimento da Silva.

Os três foram assassinados a facadas dentro do apartamento onde moravam, na quadra 113 Sul de Brasília. Dólares e joias foram levados do apartamento na noite do crime.

Em 2013, Francisco Mairlon foi condenado pelo Tribunal do Júri a 55 anos de prisão — pena reduzida para 47 anos de prisão em segunda instância.

Caso revisitado

A história da investigação é contada na série documental Original Globoplay "Crime da 113 Sul", disponível na plataforma.

Em abril de 2024, a equipe do documentário entrevistou Mairlon dentro da Papuda, onde ele cumpria a pena.

Na ocasião, Mairlon disse na entrevista que não queria sair da cadeia em decorrência do tempo de cumprimento da pena.

"Eu só aceito sair daqui inocentado", afirmou.

Os familiares de Mairlon sempre defenderam a inocência dele. Os irmãos do acusado chegaram a estudar direito na tentativa de, em algum momento futuro, ajudá-lo.

A família, então, se aliou à ONG Innocence Project — organização internacional que se dedica a reverter possíveis erros judiciais — para tentar reverter o processo.

O caso do Crime da 113 Sul é cheio de reviravoltas e elementos incomuns:

Suposta mandante, supostos executores

Mais de um ano após os assassinatos, em setembro de 2010, em meio a cobranças da sociedade pela solução do crime, a Polícia Civil indiciou a filha do casal, a arquiteta Adriana Villela, como mandante do crime.

Para os investigadores, foi Adriana quem contratou os assassinos para ficar com a herança.

A conclusão policial se baseava naquele momento em:

No momento do indiciamento de Adriana, porém, a polícia ainda não sabia quem tinham sido os executores do crime.

Somente em novembro de 2010 a polícia descobriu o envolvimento de um ex-porteiro do prédio da Asa Sul, Leonardo Campos Alves. Ele havia trabalhado no condomínio por 14 anos e havia sido demitido seis meses antes do crime. Com a demissão, Leonardo passou a viver em Montalvânia, cidade no norte de Minas Gerais onde tinha familiares.

Ao ser preso na cidade mineira, Leonardo confessou o crime. Ele afirmou que viajou para Brasília em 28 de agosto de 2009 e foi ao apartamento dos Villela para roubar — e não porque havia sido contratado. Leonardo relatou que agiu junto com um sobrinho, Paulo Cardoso Santana, também morador de Montalvânia.

Segundo essa primeira versão, Leonardo e Paulo tinham sido os únicos responsáveis pelas facadas e por levar os dólares e as joias do apartamento dos Villela.

A investigação, então, mudou de delegacia. A partir de seu quinto depoimento aos policiais, Leonardo alterou sua versão.

O ex-porteiro passou a afirmar que foi contratado por Adriana —que lhe entregou os US$ 27 mil e as joias retiradas do apartamento — para simular um assalto e matar os Villela. Já a empregada Francisca teria sido morta para não deixar uma testemunha.

Ao dar a nova versão, que foi a que prevaleceu na Justiça, Leonardo sustentou que não subiu até o apartamento, diferentemente do que tinha dito antes.

Ele afirmou que quem subiu e deu as facadas foi seu sobrinho Paulo e um amigo, "Mairton" — que a polícia logo identificou como Francisco Mairlon.

A história de Mairlon

Mairlon havia sido vizinho de Leonardo e de Paulo no Pedregal em 2008 e no início de 2009, antes de o ex-porteiro ser demitido do prédio da 113 Sul e se mudar para Montalvânia com o sobrinho.

Filho de pais cearenses, Mairlon fazia entregas de gás no comércio da família, tinha aberto sua própria mercearia no Pedregal e estava casado havia alguns meses.

A companheira dele estava grávida de oito meses quando ele foi preso. Mairlon só viu o filho uma vez, quando a mãe dele levou o recém-nascido a uma visita na Papuda.

Levado à delegacia, a antiga Coordenação de Investigação de Crimes contra a Vida (Corvida), Mairlon prestou vários depoimentos ao longo de todo o dia. Inicialmente, ele negou qualquer ligação com o crime.

Depois de alguns depoimentos e de ter sido colocado frente a frente com Leonardo em uma "acareação informal" — como mostra um dos vídeos feitos na delegacia —, Mairlon confessou ter ido à quadra dos Villela, mas disse que não entrou na casa e que foi ele que ficou de vigia. A versão dele não batia com a dos outros investigados.

Mairlon afirma que só admitiu à polícia que foi até a quadra 113 Sul junto com Paulo e Leonardo porque ficou com medo de os policiais ameaçarem sua esposa, que estava grávida. Durante todo o processo, na fase judicial, ele sempre negou envolvimento com o crime.

Não há no processo provas materiais de que Mairlon tenha estado no endereço dos Villela, ponto destacado pelo Innocence Project no pedido feito ao STJ.

No caso de Leonardo e Paulo, diferentemente, existem provas materiais: a polícia localizou duas lojas em Montes Claros (MG), na região de Montalvânia, onde Leonardo vendeu as joias e os dólares que pertenciam aos Villela.

Para a ONG Innocence Project, o ex-porteiro Leonardo envolveu Mairlon na história na tentativa de obter uma pena menor para si mesmo — quando disse que não entrou no apartamento, mas apenas ficou esperando embaixo do prédio.

A polícia e o Ministério Público, por outro lado, sustentam que Mairlon confessou sua participação nas mortes em dois depoimentos prestados na delegacia.

STJ é unânime ao anular condenação

Os cinco ministros da Sexta Turma foram unânimes em anular a condenação – e, em seguida, em anular toda a ação penal, trancando (encerrando) o caso de Mairlon.

Relator do caso, o ministro Sebastião Reis Junior afirmou que a conduta nos depoimentos que incriminaram Mairlon feriu direitos como a ampla defesa e o contraditório.

"Existindo depoimentos incriminando o recorrente bem como depoimentos judiciais inocentando-o, caberia ao magistrado singular, na ocasião de proferir a decisão de pronúncia, confrontar os elementos de informação", disse.

"É inadmissível que, em um Estado Democrático de Direito, um acusado seja pronunciado [levado a júri] e condenado por um tribunal de juízes leigos apenas com base em elementos de informação da fase extrajudicial, dissonantes da prova produzida em juízo", seguiu.

O ministro Rogério Schietti, após assistir aos vídeos dos depoimentos tomados na antiga Corvida, disse que foram usados "expedientes que fogem de qualquer conceito de civilidade".

"Os vídeos mostram de que maneira as coisas acontecem na delegacia, sem a presença de advogado, após horas exaustivas de depoimento, suprimindo direitos dos investigados, e o resultado é o incremento enorme do risco de condenações injustas", afirmou Schietti.

"Talvez esteja na hora, não sei se pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça], de haver uma provocação para que a matéria de conduzir investigações, de tomar depoimentos, não se fie mais nessa técnica que tem sido reverberada há cerca de 70 anos no Brasil, e passemos a adotar um protocolo que dê confiabilidade a essa prova", disse.

O ministro Carlos Pires Brandão afirmou que o caso era "quase uma tragédia para os profissionais do direito".

"Me espantou essa utilização de elementos meramente informativos, levantados na fase administrativa, serem transformados em provas sem qualquer cotejamento com os demais elementos", disse.

O ministro Og Fernandes afirmou que os vídeos dos depoimentos são "claros, no sentido de uma coação moral".

"Em regra, [a coação é] aplicada a pessoas de pouca estrutura intelectual, que são coagidas a assumir tal ou qual versão porque isso encerra, bem ou mal, a atividade policial".

"Todos aqui temos um único desejo, a verdade. Seja o Judiciário, seja a defensoria, seja o Ministério Público. E parece que essa verdade assim obtida, pelo que vi e pelo que vi, é falsa. Não convence."

O ministro Antônio Saldanha Palheiro acompanhou os demais, mas não chegou a usar a palavra durante a análise.

Fonte: g1 DF