Policial Falha do Estado
Conselheira que atendeu jovem morto em jaula de leoa, na Bica, em João Pessoa, relata trajetória marcada pelo abandono e pela necessidade de tratamento adequado
Conhecido como “Vaqueirinho”, Gerson tinha diagnóstico de esquizofrenia, atraso cognitivo e um histórico marcado por abandono, violações de direitos e sucessivas passagens por instituições de acolhimento, pela socioeducação e pelo sistema prisional.
30/11/2025 23h21 Atualizada há 8 minutos
Por: Felipe Vilar Fonte: Patos Online
Foto: reprodução

A conselheira tutelar Verônica Oliveira falou sobre a trajetória de vida de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, morto de forma trágica na manhã deste domingo (30), após invadir a jaula de uma leoa no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, a Bica, em João Pessoa, e ser atacado pelo animal.

Conhecido como “Vaqueirinho”, Gerson tinha diagnóstico de esquizofrenia, atraso cognitivo e um histórico marcado por abandono, violações de direitos e sucessivas passagens por instituições de acolhimento, pela socioeducação e pelo sistema prisional. Segundo a conselheira, ela acompanhava o jovem desde quando ele tinha apenas 10 anos de idade.

“Gerson era uma criança que sofreu todo tipo de violação de direito. Filho de uma mãe esquizofrênica, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, relatou Verônica.

Ainda na infância, Gerson e os quatro irmãos foram destituídos da guarda da mãe e encaminhados para adoção. Todos os irmãos foram adotados — menos ele. Segundo a conselheira, a justificativa apresentada na época foi dolorosa:

“A coordenadora da instituição disse que ninguém adotaria uma criança como ele”, explicou.

Em outro episódio marcante, ainda criança, Gerson fugiu do abrigo onde vivia e foi encontrado sozinho em uma rodovia do interior da Paraíba, sendo encaminhado pela Polícia Rodoviária Federal ao Conselho Tutelar.

Sem diagnóstico fechado por muitos anos, o jovem acumulou passagens pela polícia por furtos, iniciados ainda na infância. Na semana passada, segundo a conselheira, ele havia saído do presídio e procurou ajuda para tentar trabalhar.

“Ele foi até o Conselho porque queria tirar a carteira de trabalho. Forneci as cópias, tiramos a foto e, dois dias depois, ao ligar a TV, vi a reportagem de que ele tinha jogado um paralelepípedo em uma viatura da PM”, contou.

Além da esquizofrenia, Gerson tinha atraso cognitivo severo.

“Ele tinha 19 anos, mas a capacidade de compreensão, quando conversávamos, não passava de uma criança de cinco anos”, destacou.

Sensação de “segurança” atrás das grades

De acordo com Verônica, Gerson só se sentia seguro no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, em João Pessoa — algo considerado incomum para alguém tão jovem.

“Ele pedia para morar lá. Teve 10 passagens pela socioeducação e, quando saía, fazia de tudo para voltar. Ele precisava se sentir seguro, e por algum motivo só se sentia seguro quando estava enjaulado”, afirmou.

A conselheira acredita que, apesar dos erros cometidos ao longo da vida, o jovem não tinha uma personalidade violenta.

“Ele não era uma pessoa doente de caráter. Ele tinha uma fragilidade imensa na saúde mental. Se tivesse tido um acompanhamento regular e sério, não estaríamos hoje vivendo isso”, lamentou.

Sonho com leões e tragédia anunciada

Outro fato que chama atenção é que Gerson sonhava em domar leões em um safári na África. Segundo a conselheira, em determinado momento ele chegou a se esconder no trem de pouso de um avião, acreditando que seria levado para lá. O jovem foi localizado e encaminhado novamente ao Conselho Tutelar.

“Gerson é resultado de um sistema que o excluiu sempre. Ele já estava enjaulado há anos. O que aconteceu hoje foi o desfecho de uma ‘Crônica de uma Morte Anunciada’. Espero que a lição fique e que os inúmeros Gersons que atendemos todos os dias tenham um final mais feliz. Meu sentimento é de total impotência”, desabafou.

 
 
 
 
 
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O caso

Na manhã deste domingo (30), Gerson subiu pela lateral da jaula da leoa Leona, utilizando uma árvore para ter acesso ao interior do recinto no Parque Arruda Câmara. Ao entrar na área do animal, ele foi atacado e morreu no local.

Após o ocorrido, o zoológico foi fechado e as visitas foram suspensas. A Prefeitura de João Pessoa informou que está apurando as circunstâncias do caso e manifestou solidariedade aos familiares da vítima.

Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, busque atendimento pelo CVV – Centro de Valorização da Vida: 188 (atendimento 24h, gratuito e sigiloso).

Por Patos Online
Com informações complementares do Correio Braziliense