Por Gustavo Nunes de Aquino, advogado e jornalista diplomado
Nos últimos dias, declarações surpreendentes de Donald Trump colocaram em pauta a possibilidade de os Estados Unidos anexarem o Canadá, retomarem o controle do Canal do Panamá e incorporarem a Groenlândia como território americano. Essas ideias, por mais extravagantes que pareçam, suscitam a pergunta: ele realmente tentará alcançar esses objetivos?
A resposta, muito provavelmente, é sim. No entanto, o método para tal não será por meio de invasões armadas ou anexações diretas, mas através da força econômica – uma estratégia que a China já domina e vem empregando com eficácia para expandir sua influência global.
A China é hoje um exemplo claro de como a expansão geopolítica pode ser realizada sem armas. Em vez de invadir territórios, Pequim compra infraestrutura estratégica, como portos e corredores comerciais. Exemplos disso incluem o Porto de Chancay, no Peru; o Porto do Pireu, na Grécia; e o Porto de Paranaguá, no Brasil. Na Europa, os chineses já têm participação no Porto de Haifa, em Israel, e avançam nas negociações para adquirir partes do Porto de Hamburgo, na Alemanha.
Essa estratégia garante à China não apenas rotas marítimas sob sua influência, mas também um crescente poder econômico, político e militar. Um caso emblemático é o de Djibouti, país estrategicamente localizado no chifre do continente africano, na entrada do Mar Vermelho, que desemboca no Canal de Suez, onde a China não só comprou o porto local, mas também instalou uma base militar.
Com esse modelo em mente, é possível entender a visão de Trump para os Estados Unidos.
Mas por que Groenlândia, Canal do Panamá e Canadá?
A Groenlândia é a maior ilha do mundo possui imensos recursos naturais. Com reservas inexploradas de petróleo avaliadas em cerca de 3 trilhões de dólares e 10% da água doce do planeta, o potencial econômico da Groenlândia é imenso. Além disso, o território está estrategicamente posicionado no Ártico, uma região cada vez mais valorizada devido às novas rotas marítimas que se abrem por causa do derretimento do gelo.
O Canal do Panamá, por sua vez, conecta o Oceano Atlântico ao Pacífico. É uma das infraestruturas mais importantes para o comércio mundial. Apenas em taxas de trânsito, o canal gera mais de 2 bilhões de dólares por ano. Especula-se que Trump teria oferecido ao Panamá, em parcela única, 10 bilhões de dólares como ajuda financeira para assumir o controle estratégico do canal. Essa medida visaria fortalecer a presença americana no comércio global e garantir o domínio e vigilância sobre uma das rotas marítimas mais movimentadas do planeta.
Já o Canadá é um vizinho com abundância de recursos naturais, avaliados em cerca de 33 trilhões de dólares. Seus depósitos inexplorados de minerais e a vasta disponibilidade de água doce (mais de 7% do total mundial) tornam-no um alvo econômico extremamente atraente. A proposta de Trump seria um plano de fusão econômica, com investimentos de 1 trilhão de dólares ao longo de 10 anos, em troca de maior integração entre as nações. Um acordo nesse sentido, que também envolvia o México, foi assinado em 2018. Ele representava uma espécie de reformulação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), mas acabou não vingando.
Na realidade, o objetivo final de Trump não é apenas expandir a influência dos EUA, mas derrotar a China na atual guerra econômica. Pequim vem desafiando Washington por meio de investimentos estratégicos em infraestrutura global, muitas vezes oferecendo pacotes financeiros irresistíveis a países em desenvolvimento.
Trump, por sua vez, busca reposicionar os Estados Unidos como a superpotência econômica indiscutível. Sua visão remonta a uma citação famosa do ex-secretário de Estado Henry Kissinger: "controle o petróleo e você controlará as nações; controle a comida e você controlará as pessoas." Substituindo "petróleo" por "economia global", o raciocínio se aplica perfeitamente ao cenário atual.
Nesse caminho, as declarações de Trump não são meras bravatas, mas sinalizam um alinhamento estratégico com as táticas econômicas da China. Ele sabe que, no mundo moderno, a força não está nos exércitos, mas no controle de recursos e rotas comerciais
Enquanto muitos ainda se questionam sobre a viabilidade de suas propostas, Trump parece disposto a usar os mesmos métodos que permitiram à China se expandir sem disparar um único tiro – uma lição sobre como o poder econômico pode moldar o futuro geopolítico.
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