José Felizardo Medeiros Júnior nunca duvidou de que esta era mesmo a sua sina: ganhar as estradas como quem desbrava territórios em busca da sobrevivência.
Como tantos de seu entorno, nasceu para ser vendedor ambulante. Ainda tinha 18 anos quando deixou o sertão paraibano para exercer seu ofício em um novo ambiente, tão diferente quanto desafiador. Tão logo chegou a Tubarão, estranhou o clima.
Não que as temperaturas aqui no verão sejam agradáveis como uma brisa à beira-mar, mas de qualquer forma incomparáveis com a abrasadora Patos, na Paraíba, sua terra natal. Segundo o IBGE, ambas as cidades se parecem em índices como área territorial, população e escolarização entre 6 e 14 anos, mas Patos, a Capital do Sertão da Paraíba, herdou também o título de Morada do Sol – e você sabe por quê.
Mas José não veio para ficar. Depois de um tempo, retornou para o sertão. Em Patos, fabricava bolos pela manhã e à tarde – vendedor ambulante – saía de porta em porta, oferecendo a produção do dia. Mais tarde, a convite de um amigo, voltou a Tubarão. Embarcou em um pau de arara e, quatro dias depois, a bordo do transporte improvisado, estava aqui, ajudando o amigo a vender cintos, carteiras, capinhas para celular.
Luzia Torres de Medeiros, sua esposa, e os dois filhos haviam ficado na Paraíba, até que a mulher quis vir para o Sul também. Não pensaram duas vezes, venderam tudo e deixaram o sertão para trás.
Foi há 17 anos. Os filhos estavam entrando na adolescência – a menina com 13 anos, e o menino com 9 – e encontraram dificuldades para se enturmar na escola. Não raro, voltavam para casa chorando, vítimas de piadas devido a seu sotaque. Luzia, hoje com 53 anos, teve depressão no início, sentia-se sozinha, longe da família e do acolhimento de sua Patos natal. Receberam ajuda da Igreja Assembleia de Deus. Hoje o filho é empregado em uma papelaria, e filha, formada em curso superior, trabalha com marketing.
“No começo a gente fica perdido até se estabelecer”, comenta José, 49 anos. Apesar da dificuldade, ninguém pensa em retornar para Patos, para onde viajaram em março passado após oito anos. O casal quer ficar por aqui para ver os netos nascerem e crescerem.
José e Luzia, há 15 anos, exercem seu ofício ao longo da principal via de Tubarão, a Marcolino Martins Cabral, no Centro. Quando o movimento escasseia, José pega as mercadorias e perambula pelos bairros. No verão, o destino é a clientela das praias de Jaguaruna.
É bem provável que você já tenha se deparado com o casal de vendedor ambulante no Centro de Tubarão. Em seu carrinho, a freguesia encontra meias, toalhas, camisetas. Às vésperas das eleições, o estoque em exibição acabou se tornando um microcosmo da polarização que marca a disputa pela presidência. “Camisa e toalha do Bolsonaro é o que mais vende. Do Lula também tem, mas quase ninguém quer”, afirma José a respeito das preferências de um público que vive em um Estado considerado, afinal, reduto bolsonarista.
O sonho de Luzia era ter uma loja fixa, para fugir do desgaste da vida de ambulante, mas diz que o preço do aluguel é muito alto. “Aqui a gente não tem renda fixa. Tem que correr atrás”, conta. Mas a dureza da rotina se tornou mais desafiadora quando veio a pandemia. O ofício que depende do contato direto com o cliente viu-se tolhido pelo isolamento – só aliviado pela ajuda momentânea do auxílio emergencial do governo federal.
Se não bastasse, o casal teve de enfrentar episódios de vandalismo: o carrinho que usam para expor as mercadorias foi danificado por algum desocupado na calada da noite. Precisam também lidar com o olhar de desconfiança de alguns comerciantes do entorno, mas nem por isso deixaram de amealhar a amizade de outros empresários. E qual seria o segredo do bom vendedor? “Tem que oferecer e saber lidar com todo tipo de cliente”, ensina Luzia. “Tem que insistir”, responde José, num sorriso.
Fonte - Folha Regional / Tubarão - Santa Catarina
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