A proposta para limitar decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é “saudável” na avalição de constitucionalistas ouvidos pela CNN.
Na avaliação de Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF), a proposta — apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) — não limita os poderes do Judiciário concedidos pela Constituição Federal.
“A PEC estabelece limite para decisões monocráticas, que de fato são um problema do STF. Ela estabelece um prazo para os pedidos de vista. Temos pedidos que duram quatro, cinco anos”, comentou. Ainda de acordo com Acacio, o limite de seis meses para os pedidos de vista oferece ainda mais celeridade aos trâmites nas cortes.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira (4). O texto seguirá para deliberação do plenário da Casa.
A aprovação ocorre em meio à escalada de tensão entre o STF e o Congresso, com decisões divergentes em pautas como o marco temporal para demarcação de territórios indígenas e a discussão para delimitar os mandatos dos ministros, que hoje duram até sua aposentadoria compulsória, aos 75 anos.
A proposta traz segurança jurídica. Não vai resolver por completo o problema, mas dará mais segurança jurídica. Não ficaremos anos a cargo de uma decisão monocráticaAcacio Miranda da Silva Filho
Segundo Antonio Carlos de Freitas Júnior, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), a PEC limita as atribuições dos tribunais superiores de “maneira saudável ao Estado Democrático de Direito”. “A PEC 8/2021 cria limites formais visando garantir que o Poder Judiciário não abuse das funções definidas na Constituição”.
Ele corrobora a ideia de Acacio Filho de que o texto garantirá mais segurança jurídica. “Neste sentido, quanto maior e melhor o nível de expectativa e certeza do jurisdicionado, melhor a segurança jurídica e o ambiente institucional para o cidadão, para o mercado e para a sociedade”.
A PEC contribui para o andamento mais célere dos processos no país, acabando com o estacionamento processual realizado por relatores que criam processos que duram décadasAntonio Carlos de Freitas Junior
Horas após a aprovação da PEC, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, afirmou que, numa democracia, “tudo pode ser discutido e o Congresso é o local próprio do debate”. Ele ressaltou que a própria instituição procurou reduzir a quantidade de decisões monocráticas e buscou apaziguar a relação com os presidentes do Legislativo.
As tentativas que Barroso se refere foram encampadas pela ministra Rosa Weber, no fim de 2022, estabelecendo limites para a tramitação de liminares sem a apreciação do conjunto de magistrados.
Nos meses e anos que antecederam esse movimento, decisões monocráticas repercutiram nacionalmente. Em 2022, o ministro Kassio Nunes Marques decidiu derrubar uma decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do ano anterior, em que o então deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil) teve o mandato cassado.
Antes, em outubro de 2020, o ministro Marco Aurélio Mello determinou a soltura de André do Rap, chefe da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), sob a alegação de que sua prisão provisória já ultrapassava os 90 dias determinados pela Constituição.
Colega de Mello, o ministro Luiz Fux defendeu em seminário, na época, que o Supremo fosse “desmonocratizado” para dar lugar a decisões uníssonas do colegiado.
Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a limitação contra as decisões monocráticas “pode ser um problema no funcionamento do Judiciário, mas se justifica em muitos casos”.
“Em primeiro lugar, nos casos de urgência, quando há necessidade de resolver uma situação de perecimento de um direito e, em segundo, quando se trata de casos que já foram decididos muitas vezes de maneira idêntica pelo tribunal.”
O texto da PEC, apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), credita a um estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) que, no período de 2012 a 2016, 883 decisões monocráticas foram tomadas na Corte, numa “média anual de 80 decisões por ministro”.
Adiante, cita um estudo da Fundação Getúlio Vargas, segundo o qual os processos com pedido de vista tiveram uma duração média de 1.095 dias e, entre eles, “somente em 22,6% dos casos o prazo para devolução dos autos foi cumprido”.
A argumentação considera que os números demonstram o “surpreendente grau a que chegou a prática da substituição, no controle concentrado de constitucionalidade, das decisões cautelares do Plenário pela atuação do relator”, o que, segundo o autor, configura uma “ministrocracia”.
Conforme a proposta, em caso de pedido formulado durante o recesso do Judiciário que implique a suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, decisões monocráticas poderão ser concedidas nos casos de grave urgência ou risco de dano irreparável, desde que o tribunal julgue os casos até 30 dias após a retomada dos trabalhos, sob pena de perda da eficácia da decisão.
Para Pierpaolo Bottini, a existência de uma discussão sobre essa forma de decisão é “importante e saudável”, mas o efeito da aprovação do texto na CCJ é “uma decisão embrionária”: “[Para ser efetiva], a PEC teria de passar em dois turnos, nas duas Casas, com quórum qualificado”.
CNN Brasil
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