No coração do sertão nordestino, a população de Patos (PB) acompanha, nessas eleições municipais, um duelo que parece contar a história política recente do País. O prefeito Nabor Wanderley Filho (Republicanos), candidato ao quarto mandato, busca não apenas manter o controle do município nas mãos da família, poderosa desde os anos 1950, mas consolidar sua reabilitação política após um período de ocaso. Do outro lado da polarização local está Ramonilson Alves (PSDB), ex-juiz que foi algoz do prefeito nos tempos de toga.
O paralelo entre o cenário patoense e o embate do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o senador Sérgio Moro (União-PR) é inevitável – e pode até profetizar a disputa presidencial de 2026, para a qual o ex-juiz da Lava Jato é ventilado. Nas últimas semanas, contudo, Patos ganhou importância nacional por outro motivo: é a terra natal do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), filho do prefeito Nabor e favorito do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sucedê-lo no cargo.
Aos 35 anos, idade mínima para entrar na linha sucessória da Presidência da República, Motta é uma figura em ascensão na política brasileira. Chegou a Brasília como deputado federal em 2011 e usou na posse o broche do avô Edivaldo Motta, que foi constituinte ao lado de Lula. Antes no MDB, o expoente do Centrão cresceu na capital com as bênçãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e ao lado de Lira acompanhou o antigo aliado do apogeu ao cadafalso.
O poder de Motta tornou-se um ativo para a gestão do pai, que asfaltou dez novas ruas com verbas enviadas pelo filho. Só neste mandato de Nabor (2021-2024), o deputado destinou a Patos R$ 10,9 milhões em emendas parlamentares individuais, incluindo restos a pagar. O número não leva em conta o que foi destinado ao município via emendas de relator (antigo Orçamento Secreto) e emendas de comissão, que não são rastreáveis. O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a execução dessas emendas até a definição de critérios de transparência.
“Hugo tem nos ajudado com recursos para saúde, educação, pavimentação, aquisição de máquinas para a zona rural. Em praticamente todas as áreas da prefeitura temos o trabalho do deputado. Ele tem sido fundamental”, afirmou o prefeito Nabor ao Estadão.
Apoiado pelo governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), e pelo senador Efraim Filho (União-PB), Nabor conversou com a reportagem na residência de sua irmã Helena, secretária de Desenvolvimento Social do município. Era feriado local em homenagem à padroeira da cidade, Nossa Senhora da Guia. Com situação política confortável, ele não fez atos de campanha naquele dia e na véspera. A reta final da campanha terá uma caminhada com o governador e Hugo Motta.
Até lá, o candidato à reeleição será pressionado sobre os problemas da cidade. De acordo com o Instituto Água e Saneamento, 86,64% dos patoenses não têm acesso a saneamento básico, o que impõe às ruas um odor desagradável. Em 2021, dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,801, em uma escala de 0 a 1.
Cortado pela rodovia Transamazônica, o município de Patos tem 108 mil habitantes, mas quem anda pelas ruas tem a sensação de que não há eleição por lá. Em um misto de frustração com a política e um clima de “já ganhou” para Nabor, há poucos atos de panfletagem. O prefeito tem apoio de 15 dos 17 vereadores.
“Nabor hoje é o político que está mandando, não tem uma força [para concorrer com ele]. E aqui no sertão da Paraíba, a maior liderança é o Hugo Motta”, avaliou o sapateiro Valmir Rodrigues, 48 anos, um patoense que acompanha a política local de perto. Ele diz estar indeciso sobre em quem votar. “Estou na corda bamba”, revela ao lado dos sapatos que serão enviados para comercialização justamente em Brasília.
Para o principal candidato da oposição, as contratações temporárias feitas pela prefeitura são um desafio adicional que favorece o prefeito. “Seja eu, Gandhi ou Papa Francisco, 12 mil pessoas te veem como adversário do prato”, afirmou Ramonilson ao Estadão, que aponta para o prefeito um óleo de peroba durante os debates. “Isso aqui é a mini Venezuela. Sequer consigo falar em todos os veículos de comunicação”.
Juiz aposentado após comprovar visão monocular, Ramonilson se apresenta como cristão e tenta afastar as comparações com Moro. “Confesso que tenho admiração pelo que ele representou em termos de caráter republicano, de moralidade. Mas um é do Nordeste, outro do Sul, não há nenhum paralelo em que pese ambos terem sido juízes”, afirma. “A inspiração não é ele [Moro]. É Jesus Cristo”.
O tucano nega a tese de que perseguiu Wanderley Filho enquanto magistrado. “Não fui só eu que eventualmente operei condenações contra ele, que tem reiteradas condenações por improbidade administrativa”, diz. O prefeito rebate: “Esse ex-juiz tentou surfar na onda do falso moralismo que aconteceu no passado. Mas faltou combinar com Deus e com o povo, que é quem elege”.
Para Ramonilson, a política feita pelos “WanderMotta” – uma alcunha instituída pelos opositores – lembra o tempo dos coronéis. “São políticos profissionais, vivem de eleição e praticam tudo o que for necessário, inclusive fora de padrões éticos, para se perpetuarem”, afirmou. As críticas se estendem a Hugo Motta. “Em que pese ser jovem, ele encarna tudo o que a velha política representa. O vale-tudo para chegar e permanecer no poder, sem nenhum respeito, nenhum padrão ético ou cristão.” Nabor entende que as sucessivas eleições da família se devem a entregas para a cidade.
Wanderley Filho se gaba do acesso em Brasília com o filho deputado federal, enquanto Ramonilson foca nas alianças partidárias firmadas nesta disputa. “Temos o apoio do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), que é amigo de Lula e vice-presidente do Senado. Todas as portas estarão abertas para Patos”, assegurou o ex-juiz, que tem o PL de Bolsonaro e o Novo na sua coligação.
Se nas grandes capitais, como São Paulo, a polarização entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro influenciam o comportamento do eleitor, em Patos o debate é focado nos problemas da cidade. Demora para marcar consultas é queixa recorrente nas ruas, e um recente escândalo envolvendo suposta fraude de R$ 21 milhões na contabilização do IPTU por um servidor, agora afastado pela prefeitura, virou munição para a oposição. A “fuga” da nacionalização política visa à sobrevivência dos candidatos: em 2022, o petista obteve 66% dos votos válidos contra 34% de Bolsonaro.
O PT tem candidato próprio em Patos, o Professor Edileudo, mas a candidatura não é competitiva. A quarta candidata é Aline Leite, do União Popular.
A história dos Motta Wanderley se confunde com a própria história de Patos, a “joia da coroa” da família. Em 1950, Nabor Wanderley, pai do atual prefeito e avô paterno de Hugo Motta, comandou a cidade por cinco anos. Nabor Wanderley Filho só chegou ao poder em 2004, após dois mandatos do rival político Dinaldo Wanderley, seu primo de quarto grau que morreu de covid-19 há três anos.
Em 2016, depois de dois mandatos, “Naborzinho” emplacou a sucessora: a então sogra Francisca Motta, avó materna de Hugo Motta, e hoje deputada estadual pelo sexto mandato. Mas os ventos contrários chegaram na reta final do mandato de Francisca.
Em setembro daquele ano, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar irregularidades em contratos de locação de veículos pela gestão municipal. A prefeita foi afastada e sua filha, Ilanna Motta, mãe de Hugo e então chefe de gabinete, foi presa. A crise custou a eleição de Naborzinho, que tentava ali seu terceiro mandato. Saiu vitorioso o médico Dinaldinho Wanderley, filho de Dinaldo.
Em 2018, um novo revés para política local: Dinaldinho foi afastado por suspeitas de corrupção. O vice renunciou. O presidente da Câmara Municipal, que assumiu em seguida, também. A Justiça Eleitoral determinou uma eleição indireta no município e foram quatro prefeitos em dois anos.
A instabilidade política da época, na avaliação de apoiadores da gestão municipal e da oposição, pavimentou o retorno de Nabor Filho ao poder em 2020. Aliados dizem que ele voltou para fazer justiça com a própria história. O quarto mandato disputado neste ano busca consolidar essa ressurreição política.
Fonte: O Estadão
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