Pacientes submetidos a procedimentos oftalmológicos durante um mutirão realizado no Hospital de Clínicas de Campina Grande, na última quinta-feira (15), têm relatado complicações graves, incluindo casos de infecção e até perda total da visão.
A Secretaria de Saúde da Paraíba apura o caso. E admitiu que medicamentos vencidos estavam entre os que foram utilizados no mutirão, que foi realizado por uma empresa contratado.
O caso já é alvo de uma investigação do Ministério Público da Paraíba (MPPB). O Conselho Regional de Medicina (CRM-PB) também acompanha a situação.
O g1 reuniu, nesta reportagem, informações para explicar o que se sabe, até o momento, sobre o mutirão de procedimentos oftalmológicos, consequências na saúde dos pacientes e a investigação por parte dos órgãos competentes.
O mutirão de procedimentos oftalmológicos aconteceu no Hospital de Clínicas de Campina Grande, unidade de saúde estadual, localizado no bairro da Prata. Os procedimentos foram feitos na quinta-feira (15), e os relatos de pacientes com complicações foram veiculados na segunda-feira (19).
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (SES-PB), 64 pessoas participaram do mutirão, que foi realizado por meio de um contrato entre a pasta e a Fundação Rubens Dutra Segundo.
Na segunda (19), quatro pacientes apresentaram desconfortos, e nesta terça (20), a SES-PB atualizou esse número e pelo menos nove pacientes apresentaram desconforto persistente e baixa visão, e mais de 20 pessoas, segundo a empresa responsável, relataram sintomas após os procedimentos.
A SES-PB informou que 64 pessoas participaram do mutirão de procedimentos oftalmológicos no Hospital de Clínicas de Campina Grande. Deste quantitativo, nove pessoas, segundo a secretaria, apresentaram problemas de saúde.
De acordo com as denúncias, que começaram a ser veiculadas na segunda-feira (19), já no fim de semana seguinte ao mutirão, diversos pacientes procuraram atendimento em outras unidades de saúde relatando dores intensas e sinais de infecção ocular.
A pedagoga Errta Rianny Rodrigues Mendes, de 43 anos, afirma que perdeu a visão e enfrenta dores constantes, mesmo após ser submetida a um novo procedimento cirúrgico nesta terça-feira (20), em João Pessoa.
“No momento, não estou enxergando e ainda sinto dor. Parou a saída do líquido do meu olho. Estou sofrendo, tenho crise de ansiedade e síndrome do pânico”, informou ao g1.
Nesta terça-feira, Errta precisou passar por um procedimento em uma clínica de João Pessoa para tratar complicações que surgiram após a injeção ocular no mutirão, e, em seguida, foi transferida para o Hospital Metropolitano, em Santa Rita.
Durante o mutirão realizado no Hospital de Clínicas, em Campina Grande, ela recebeu a segunda aplicação de uma injeção ocular, parte do tratamento de uma condição crônica que combina baixa visão, miopia grave e glaucoma. Segundo a própria paciente, o acesso ao medicamento foi garantido por meio de uma ação judicial movida contra o Estado, devido ao alto custo do tratamento.
Errta é uma das nove pacientes que apresentaram desconfortos ou complicações após os procedimentos realizados durante o mutirão. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES-PB), 64 pacientes foram submetidos às intervenções oftalmológicas na última quinta (15).
Outra paciente que também enfrenta as consequências do mutirão de procedimentos oftalmológicos. é Anita Terina da Costa, de 89 anos. Ela perdeu praticamente a visão do olho esquerdo após o procedimento.
Segundo o filho dela, Inácio Quaresma Neto, a idosa vinha tratando um edema macular há cinco meses, com aplicações mensais que apresentavam resultados positivos.
“Quinta-feira (15), ela fez o procedimento e agora o olho dela perdeu a visão total. […] Quando ela saiu de lá, já saiu com o olho doendo e dizendo que tinha dado errado. Foi um mutirão, tinha mais gente. O pessoal que fez o procedimento todos dando entrada nos hospitais, com o mesmo problema”, relatou.
Uma das filhas de Anita, Adriana Costa, contou ainda que a mãe está em casa, mas muito abalada. “Está deprimida, triste, perguntando toda hora se vai ver, se o olho está aberto ou fechado. Não tem condições de ficar sozinha nenhum momento”, disse.
Segundo ela, a médica que acompanha a idosa informou que há apenas 2% de chance de Anita recuperar a visão.
Outro paciente, do município de Picuí, relatou à TV Paraíba que também desenvolveu sinais de infecção ocular e, segundo familiares, deve passar por um procedimento cirúrgico de urgência no Help, que é um hospital filantrópico, nessa segunda-feira (19).
Michell Ferreira Pereira é filho de um dos pacientes que passaram pelo mutirão e que, agora, está sem enxergar. Ao g1, ele relatou que o pai precisou passar pela aplicação de uma medicação ocular para tratar uma retinopatia diabética. O tratamento já havia sido feito outras vezes.
Segundo Michell, ainda na última quinta-feira (15), dia em que foi atendido no mutirão, o pai dele reclamou de dores no olho e notou diferença na realização do procedimento em comparação com as outras aplicações que já tinha feito.
"No dia ele me relatou que doeu muito a aplicação, [das outras vezes] doía mas ele disse que não tanto como essa última vez. Ele relatou também que as outras médicas sempre pediam para ele olhar para baixo, e dessa vez, pediram para ele olhar para os lados e houve duas aplicações. Só tinha uma aplicação, e dessa vez foi duas", disse Michell, filho de um dos pacientes que estão sem enxergar após mutirão oftalmológico em Campina Grande.
Ainda de acordo com Michell, na sexta-feira (16), um dia depois do procedimento, o pai dele chegou a trabalhar, mas no sábado (20) começou a sentir dor, vermelhidão e irritação no olho.
"Na quinta-feira houve a aplicação, na sexta ele trabalhou normal, só que no sábado ele começou a sentir como se tivesse areia no olho. O olho começou a ficar mais vermelho, irritado, ele não conseguiu dormir com dor", relatou.
No domingo (18) a situação se agravou e o paciente já não conseguia mais enxergar. Foi quando Michell levou o pai para uma clínica oftalmológica em João Pessoa para passar por exames, que não detectaram o problema.
A família voltou para Campina Grande e levou o paciente foi até o Hospital de Emergência e Trauma da cidade. Na unidade, profissionais de saúde informaram que outros pacientes com o mesmo problema, que também haviam sido atendidos no mutirão oftalmológico feito no Hospital de Clínicas, também estavam sendo atendidos na unidade.
"Ele disse que estava com dor e a gente imediatamente foi para João Pessoa tentar resolver a situação porque ele já estava sem enxergar desse olho. Voltamos para Campina Grande, fomos no Trauma e lá a médica informou que já tinha atendido outras pessoas. Ele está fazendo um tratamento de retinopatia diabética", explicou.
O pai de Michell deve ser encaminhado para uma clínica em João Pessoa. O tratamento que ele faz é necessário para pacientes diabéticos diagnosticados com retinopatia diabética, complicação da doença que afeta a retina e pode ocasionar a perda da visão. A aplicação do medicamento pode desacelerar e até inibir totalmente a perda ocular.
Parte dos medicamentos usados no mutirão oftalmológico que aconteceu no Hospital de Clínicas em Campina Grande, estava vencida. A informação foi confirmada nesta terça-feira (20) pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), após pacientes que passaram por procedimentos no mutirão relatarem infecção e perda de visão.
De acordo com a SES-PB, ao menos 6 dos 30 frascos da medicação utilizada estavam vencidos e abertos. Há indícios de que os medicamentos vencidos foram usados no mutirão de procedimentos oftalmológicos realizado na última quinta-feira (15).
Segundo a SES-PB, o contrato com a empresa foi rompido após a repercussão do caso.
A secretaria ressaltou que os profissionais e o fornecimento de materiais utilizados durante o procedimento são de "responsabilidade exclusiva da empresa". À TV Paraíba, o presidente da Fundação Rubens Dutra Segundo disse que acompanha as investigações e confirmou que os medicamentos e profissionais envolvidos possuem ligação com a fundação.
Rubens Dutra também afirmou que mais de 20 pacientes apresentaram sintomas após os procedimentos, explicou que presta assistência a eles desde o sábado (17) e disse acreditar que uma possível aplicação de medicação vencida não ocasionaria as reações apresentadas. A fundação destinou uma equipe para investigar as causas das infecções e deve divulgar até a próxima quinta-feira (22) o resultado.
Processos administrativos, éticos e criminais foram instaurados pela SES-PB para apurar as condutas dos envolvidos. Os pacientes afetados estão recebendo acompanhamento e avaliação médica, ainda segundo a Secretaria de Estado da Saúde (SES).
A Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES-PB) não informou quais procedimentos foram realizados durante o mutirão oftalmológico no Hospital de Clínicas de Campina Grande, nem quais medicamentos foram utilizados. Apesar de ter confirmado que foram encontrados frascos de medicamentos vencidos e abertos, a SES-PB não especificou quais seriam esses produtos.
A Secretaria de Estado da Saúde (SES-PB) explicou ao g1, por meio de nota, que está apurando possíveis irregularidades em cirurgias oftalmológicas e que os procedimentos foram executados pela empresa Fundação Rubens Dutra Segundo, contratada pela SES, sendo os profissionais e o fornecimento de materiais utilizados durante as intervenções de responsabilidade exclusiva da empresa. Em razão disso, a SES instaurou processos administrativos para investigar as responsabilidades da empresa e apurar as condutas adotadas no caso.
Em nota enviada ao g1, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB) afirmou que acompanha o caso. Segundo o CRM-PB, nenhuma denúncia formal chegou à Comissão de Ética Médica do órgão, mas mesmo se não houver denúncia, uma sindicância de ofício será aberta para apurar e responsabilizar os envolvidos.
O Ministério Público da Paraíba (MPPB) abriu, nesta terça-feira (20), uma investigação sobre os casos de pacientes que passaram por procedimentos oftalmológicos no Hospital de Clínicas de Campina Grande e relataram complicações como infecções e perda de visão.
A promotora de Justiça Adriana Amorim determinou que a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES-PB) apresente, em até 10 dias, informações detalhadas sobre o mutirão. A pasta deve informar o total de pacientes atendidos, os tipos de procedimentos realizados e os critérios para a seleção dos pacientes.
Também foi solicitada a relação dos profissionais envolvidos, com suas qualificações, e o contrato firmado com a Fundação Rubens Dutra Segundo (responsável pelas intervenções), destacando as responsabilidades técnicas e administrativas.
Fonte: g1 PB
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