O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um novo capítulo na terça-feira, 21, para a derrocada da Operação Lava Jato, que revelou o maior esquema de corrupção da história recente do País. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu teve a pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro extinta pela Segunda Turma da Corte. No mesmo dia, processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht, condenado pelo pagamento de propina a políticos de diferentes partidos, foram anulados pelo ministro do STF Dias Toffoli.
Usando como base a suspeição do ex-juiz e senador Sérgio Moro (União-PR) e a prescrição das condenações impostas pela força-tarefa, a Corte ampliou a absolvição dos envolvidos no esquema e o revisionismo nas condutas dos investigadores. Com as decisões, personagens que foram condenados por corrupção planejam retornar à vida pública e, no ponto de vista jurídico, as descobertas da operação policial foram “enterradas”.
Para justificar a anulação de processos e investigações contra Marcelo Odebrecht, Toffoli afirmou que houve um houve “conluio processual” entre Moro e a força-tarefa de Curitiba. Segundo o magistrado, o empresário teve os seus direitos violados durante a condução do inquérito que mirou o pagamento de propinas a centenas de agentes públicos e políticos de diferentes partidos.
“Nota-se, portanto, um padrão de conduta de determinados procuradores integrantes da força-tarefa da Lava Jato, bem como de certos magistrados que ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos – pessoais e políticos –, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito”, diz um trecho da decisão.
Essa não foi a primeira decisão de Toffoli que causou uma reviravolta no espólio deixado pela Lava Jato. Em dezembro, o ministro suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista e, em fevereiro, interrompeu o pagamento do acordo de leniência da Odebrecht, firmado em R$ 3,8 bilhões.
As investigações da Lava Jato revelaram que a Odebrecht, empresa da família de Marcelo, mantinha o Setor de Operações Estruturadas, apelidado de “departamento da propina” por investigadores. O grupo era responsável por realizar o pagamento de propinas e caixa dois.
O setor foi criado em 2006 e dissolvido em julho de 2015, após Marcelo e outros executivos do grupo serem presos pela Lava Jato. Na colaboração premiada firmada com o Ministério Público Federal (MPF), a cúpula da empreiteira mencionou o envolvimento de 415 políticos de 26 partidos.
O acordo de delação premiada entre o empresário e o MPF ainda está de pé. Porém, as condenações que decorreram por conta das informações dadas por ele foram anuladas. Como mostrou o colunista Francisco Leali, apesar de haver crime, as confissões da empreiteira não valem para impor punições aos envolvidos.
Em delação, Marcelo Odebrecht detalhou negociatas, tráfico de influência, fraudes em licitações bilionárias, conluios e corrupção. O executivo também confessou que pagou a políticos e partidos em troca de favorecimento em contratos.
“Essa questão de eu ser um grande doador, de eu ter esse valor, no fundo é o que? É também abrir portas. Apesar de que não veio um pedido específico. É o que eu digo: toda relação empresarial com um político, infelizmente era assim, especialmente quando se podia financiar, os empresários iam pedir. Por mais que eles pedissem pleitos legítimos (investimentos, obras, geração de emprego), no fundo, tudo o que você pedia, sendo legítimo ou não, gerava uma expectativa de retorno”, disse o empresário na colaboração premiada.
A decisão de Toffoli que anulou processos e inquéritos contra o empresário surgiu a partir de uma decisão ajuizada em 2020 pelo então advogado Cristiano Zanin, que representava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Zanin, que atualmente é ministro do STF após ser indicado por Lula, pediu à Corte o acesso aos autos da Operação Spoofing, que mirou um grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades como Sérgio Moro, o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallganol (Novo-PR) e outros investigadores que atuavam na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
O STF considerou que as trocas de mensagens privadas entre Moro e os procuradores reforçam que o então magistrado agiu com parcialidade nas investigações. Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações do petista na operação e considerou Moro parcial para julgar o presidente. Com a decisão, Lula voltou a se tornar inelegível.
A defesa de Marcelo Odebrecht pediu ao Supremo que ele fosse beneficiado pelo precedente deixado pela ação que favoreceu Lula. Toffoli também usou a suspeição de Moro para declarar como imprestáveis as provas entregues pela empreiteira no acordo de leniência firmado com o MPF, além dos dados do “departamento de propinas” coletados pela força-tarefa.
Por três votos a dois, a Segunda Turma do STF anulou a pena imposta ao ex-ministro José Dirceu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato. Em 2017, ele foi sentenciado a oito anos e dez meses de prisão pela Justiça Federal no Paraná. A condenação foi assinada por Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).
A condenação envolveu supostas propinas da Apolo Tubulars, entre os anos de 2009 e 2012, pagas para ajudar a empresa a fechar contratos com a Petrobras. Dirceu teria usado sua influência para manter Renato Duque na Diretoria de Serviços da estatal e, com isso, direcionar licitações à empresa de tubulação.
Os ministros do Supremo entenderam que o processo contra o ex-ministro prescreveu. A Corte considerou o marco de prescrição como 2009 e, como Dirceu tem mais de 70 anos, o prazo foi contado pela metade. No caso do crime de corrupção passiva, caiu de 12 para seis anos.
Como o petista foi condenado em 2017, oito anos após o marco de prescrição, a sentença foi considerada irregular.
Fachin anulou inquérito sobre propina de R$ 5 mi pagos a Romero Jucá e Renan Calheiros
Um dia antes de Toffoli anular os processos contra Marcelo Odebrecht e a Segunda Turma livrar Dirceu da pena por corrupção passiva, o ministro Edson Fachin arquivou um inquérito que apura o pagamento de R$ 5 milhões em propinas pagas pela empreiteira ao ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) e ao senador Renan Calheiros (MDB-AL).
As propinas seriam em troca da atuação de Jucá e Calheiros para a aprovação de uma medida provisória que estabeleceu um regime de tributação vantajoso ao grupo da Odebrecht.
Fonte - Por Gabriel de Sousa / O Estadão
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