Na busca pelo tratamento precoce de pacientes com Covid-19, diversas prefeituras estão indicando Ivermectina para suas populações. O medicamento não tem indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS), nem da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para combater a doença.
Em Uberlândia (MG), a Secretaria Municipal de Saúde elaborou um fluxograma para atendimento dos pacientes, no qual indica o vermífugo para casos suspeitos e leves da Covid-19.
A autônoma Karita Lopes é moradora da cidade do Triângulo Mineiro, e afirma que, assim como sua família, vai tomar o medicamento para se proteger do coronavírus.
“É difícil termos certeza de algo, mas as minhas tias tomaram, eu tenho primos que fazem uso contínuo desse remédio e ainda não pegaram. Conheço também algumas pessoas que já tomaram, pegaram o vírus e foi brando. Eu vou tomar”, afirma.
A empresária e influencer digital curitibana, Patricia Ziebart, conta que seguiu a recomendação do marido de uma prima, que é médico, e de seu ginecologista, para tomar Ivermectina no início dos sintomas da Covid-19.
“Ela [prima] me alertou: se você pegar Covid-19, me avisa que o Alexandre vai passar os medicamentos para você. Tem que ser no início da doença. Em outubro, senti os sintomas, entrei em contato com meu ginecologista – que eu sabia que era favor do tratamento precoce – ele me passou a receita, que era praticamente a mesma que meu primo me passou”, conta.
Em Macapá (AP), a prefeitura criou o Programa +Proteção, que distribui um complexo de vitaminas C e D, além de Zinco e Ivermectina, aos pacientes com Covid-19, para impedir a evolução da doença.
Chapecó (SC) também incluiu o tratamento medicamentoso com Ivermectina no plano de combate à pandemia, que também determina o funcionamento de todas as unidades de saúde e aplicação de testes rápidos. O prefeito João Rodrigues afirma que a gestão municipal optou pelo que fosse melhor para a população.
“Aqui nós não discriminamos a ciência e não desrespeitamos o dito popular, que muitos médicos e especialistas indicaram. Como prefeito da cidade, nós lideramos o processo, unimos o povo e adotamos todo e qualquer tratamento que possa dar resultado, cientificamente aprovado ou por médicos que já testaram e deu certo”, esclarece.
Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que, até o momento, o único medicamento aprovado no Brasil, com indicação aprovada em bula, para o tratamento da Covid-19 é o Rendesivir. Ainda assim, o Rendesivir tem uma indicação específica para determinados grupos de pacientes e sua prescrição deve ser feita por um médico.
Cabe ainda aos órgãos de vigilância locais a fiscalização de venda e dispensação de todos os medicamentos sujeitos à prescrição.
Também em nota, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) comunica que monitora periodicamente as evidências sobre possíveis intervenções terapêuticas para o manejo de pessoas com Covid-19. O relatório está disponível no link.
Embora 25 estudos clínicos randomizados tenham avaliado a Ivermectina em pacientes com Covid-19, apenas alguns deles relataram resultados clinicamente importantes. Os resultados combinados desses estudos sugerem redução da mortalidade com a Ivermectina. Porém, a certeza das evidências foi muito baixa devido às limitações metodológicas e ao pequeno número de eventos.
Segundo a OPAS, são necessárias mais informações a partir de estudos, com um desenho adequado, para confirmar ou descartar essas conclusões.
A organização continuará examinando os resultados dos ensaios clínicos publicados e sintetizando as evidências, para apoiar a formulação de recomendações.
Em seu portal, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reforça que “as autonomias do médico e do paciente na escolha do tratamento devem ser respeitadas, conforme previsto na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, permitindo-lhes definir em comum acordo e de forma esclarecida suas escolhas terapêuticas no enfrentamento da Covid-19, conforme previsto no Parecer CFM nº 4/2020”. O texto alerta, no entanto, que a autonomia não isenta o profissional de suas responsabilidades, conforme prevê o Código de Ética Médica.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (UFS) pretende determinar a eficácia da Ivermectina na prevenção ao agravamento dos sintomas de pacientes infectados pelo coronavírus. O estudo foi aprovado pelo Edital n° 11/2020 do Programa de Combate a Epidemias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação.
No entanto, segundo o diretor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFS e responsável pela pesquisa, Adriano Araújo, o estudo ainda está em fase inicial e em sigilo.
A médica da Atenção a Urgência e Emergência em leitos de contingência de semi-intensivo de Uberlândia, Carolina de Oliveira, afirma que a prática da medicina deve se basear em estudos científicos de qualidade.
“Um estudo observacional geralmente é um estudo de baixa confiança e um estudo clínico randomizado possui uma evidência maior. Então, para além da justificativa do uso de determinada intervenção, é necessária uma criticidade científica para analisar a qualidade da evidência”, afirma.
Ela cita um estudo, publicado em 2020 na Science Direct, feito com cultura de células in vitro. O resultado mostra uma redução de 99% da carga viral, com uma concentração de cerca de 5 microgramas de Ivermectina. No entanto, a dosagem era muito acima do recomendado.
“Levantou uma esperança muito grande. Porém quando foi publicado, levantou também preocupações consideráveis, porque na prática clínica superaria a dose aprovada na bula de 27 até 63 vezes. Nós nunca usamos uma dose dessa dimensão em clínica até hoje, desse tipo de medicação”. A doutora ressalta ainda que o estudo in vitro, ou seja, em laboratório possui variáveis muito diferentes do organismo humano.
A doutora Carolina de Oliveira também cita um estudo publicado na Journal of the American Medical Association (JAMA), no dia 4 de março de 2021, com o método randomizado duplo-cego, realizado com 476 pacientes com sintomas leves de Covid-19. Segundo a médica, as conclusões mostram não haver diferença entre o grupo que tomou placebo e o que tomou a Ivermectina.
Para a doutora Carolina de Oliveira, a Ivermectina é um medicamento considerado promissor, mas os estudos ainda não são suficientes para comprovar sua eficácia.
“Não podemos falar que é uma medicação eficaz. E frente a essas informações é necessário muita cautela e orientação de seu uso, porque ela pode ter complicações. Não é conveniente fazer o abuso, a automedicação, o uso indiscriminado, sem ser prescrito”, recomenda.
Segundo a doutora Carolina de Oliveira, os médicos brasileiros recebem orientações das grandes sociedades e conselhos, além do próprio Ministério da Saúde, mas cada médico individualmente possui uma certa autonomia para prescrever e recomendar os cuidados para pacientes infectados pelo coronavírus.
“Inclusive, no guideline do Ministério da Saúde, até o momento, não há um medicamento específico para o tratamento do novo coronavírus”, ressalta a médica.
Para o médico neurocirurgião e especialista no enfrentamento de crises em Saúde, Paulo Porto, o médico deve ter autonomia para prescrever o que achar necessário para o tratamento do paciente, desde que tenha se capacitado para isso e esteja convencido da eficácia e da segurança dos fármacos que pretende indicar.
“O paciente tem o direito de ser tratado imediatamente quando a suspeita clínica é feita. É assim quando a gente suspeita de pneumonia; é assim quando a gente suspeita de câncer. A gente não pode perder tempo com doença nenhuma. Com a Covid-19 é a mesma coisa”, afirma.
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Fonte: Brasil 61
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