O Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do país e uma das vitrines do governo federal, promoveu, ao longo de 2023, um pente-fino nos cadastros dos beneficiários, o que resultou no bloqueio de 8,4 milhões de famílias.
Os cortes, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), são referentes a famílias que apresentavam algum tipo de inconsistência no cadastro, de renda ou composição familiar, além de beneficiários com informações desatualizadas há muito tempo.
O objetivo é reparar distorções no Cadastro Único, porta de entrada para programas sociais do governo federal.
Os dados, obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação, reúnem o número de famílias que tiveram o benefício cancelado entre os meses de março – quando se iniciou no governo um processo de revisão – e dezembro.
No total, foram 8.423.205 beneficiários retirados do Bolsa Família no período. A maioria deles estão nas regiões Nordeste (3.762.332) e Sudeste (3.023.165), locais que concentram a maior parcela de beneficiários.
Segundo dados do Observatório do Cadastro Único, atualmente, 21 milhões de famílias recebem o benefício: 9,4 milhões delas estão no Nordeste e 6,2 milhões no Sudeste.
São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro foram os únicos estados a ultrapassarem a marca do milhão de benefícios cortados.
O MDS explica que a medida faz parte de uma série de ações de “retomada” do Bolsa Família, que, segundo a pasta, foi “modificado e destruído” nos últimos anos. Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades na gestão do Auxílio Brasil – o Bolsa Família do governo Jair Bolsonaro (PL) – e uma defasagem na atualização do Cadastro Único.
No início do ano, o MDS começou um processo de averiguação para encontrar famílias com inconsistência na renda ou na composição familiar declarada no registro. Além disso, houve a revisão de cadastros desatualizados.
Segundo o ministério, ambos os processos estão previstos no escopo do programa, mas foram paralisados durante a gestão de Bolsonaro por causa da pandemia de Covid-19 e “outras prioridades” do Executivo em 2022.
Umas das principais inconsistências encontradas pelo governo, e apontada no relatório da CGU, é em relação ao aumento de famílias unipessoais — compostas de uma só pessoa — beneficiárias do programa de transferência de renda.
O documento da CGU apontou que, entre outubro de 2021 e dezembro de 2022, o número de famílias com esse arranjo cresceu de 15 milhões para 22 milhões, aumento de 55%. Os dados obtidos pelo Metrópoles conversam com esse cenário. Dos 8,4 milhões de beneficiários retirados do programa, 7,1 milhões eram de famílias unipessoais.
Em todos os meses, no entanto, a média de renda per capita dos que tiveram o benefício cancelado se manteve abaixo do teto estabelecido pelo programa, de R$ 218 mensais por pessoa. De acordo com o MDS, as inconsistências não significam, necessariamente, que o beneficiário não estava na faixa de renda indicada pelo programa, mas que parte das famílias recebia o benefício duplicado.
“Às vezes, a família que foi cancelada, de fato, está com uma renda dentro do limite, porque é a mesma família, mas, operacionalmente, eram duas famílias [cadastradas]. E, aí, depois [após a correção], você coloca uma família com duas pessoas. Elas continuam sendo pessoas em situação de pobreza, mas agora estão com o cadastro corrigido. A renda dela continua baixa, mas agora está recebendo o valor correto por família. Antes, ela estava recebendo o dobro”, explica a diretora do Departamento de Benefícios do MDS, Caroline Paranayba.
“Não é uma situação deliberada de movimentação das famílias para fraudar. Muitas vezes, é uma falta de entendimento, porque a gente vinha no contexto do Auxílio Emergencial, no qual as pessoas podiam fazer cadastros individuais. E, aí, com o Auxílio Emergencial, a população começou a assumir que o benefício do Bolsa Família é individual”, avalia Paranayba.
O Bolsa Família é destinado a famílias com renda per capita, ou seja, por pessoa, de, no máximo, R$ 218 mensais. Em 2023, o governo elevou o valor mínimo do benefício para R$ 600 por família – antes, eram R$ 400. Além do montante, beneficiários podem ter acréscimo de R$ 150 por criança de até 6 anos, e de R$ 50, em caso de gestantes, crianças e adolescentes até 18 anos.
Segundo a secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS, Eliane Aquino, neste ano em que o programa completa 20 anos de criação, o foco tem sido retomar a interlocução com municípios, os principais gestores dos recursos do benefício.
“O recurso do Bolsa Família que entra naquele município, muitas vezes, é maior do que o FPM [Fundo de Participação dos Municípios]. Nós temos um impacto do programa que não é só em cima dessas famílias que recebem o benefício, mas na economia local”, observa a secretária.
“Quem recebe o Bolsa Família não pega esse dinheiro e coloca em aplicação financeira, em poupança. Os beneficiários usam na farmácia, na padaria, no açougue, na feira, e a economia dessas localidades é aquecida por conta do programa”, pontua.
“Nosso grande desafio é fazer com que todos os municípios brasileiros voltem a olhar de verdade para o programa Bolsa Família, porque nós sabemos o impacto que a gente tem no combate à fome, no fortalecimento da segurança alimentar das nossas crianças. Então, nosso desafio para os próximos anos é estar cada vez mais perto dos municípios e melhorando a qualidade do programa”, destaca Aquino.
Fonte - Daniela Santos / Metrópoles.com
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